Sete (Evangeline)

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À noite, o dormitório estava extremamente silencioso. Nada de celulares ou notebooks sendo usados. Todas as garotas estavam de camisola lendo o livro da professora de literatura. O único som era de folhas passando e um ou outro suspiro exasperado.

Muitas páginas depois, notei que a história dava um salto muito estranho. Terminava com uma palavra e na continuação da folha seguinte não havia concordância alguma. Olhando a numeração de páginas percebi que faltavam três folhas. Suspirei.

- Joan,- chamei - faltam algumas páginas no meu livro. Acha que ainda tem algum na biblioteca? - quebrei o silêncio.

- Acho que sim. - ela não tirou os olhos de sua leitura.

- Irmã Ângela ainda está lá?

- É bem possível. Ela fecha a biblioteca depois das oito da noite.

Olhei para o relógio na parede. Oito e dez.

- São oito e dez.

- Então é melhor correr.

Calcei as pantufas e saí apressada pelo corredor. Em comparação com o calorzinho que conseguia manter em minha cama, fora do quarto estava gelado. Ajeitei o camisão/camisola e cruzei os braços. Desci as escadas correndo e fui parar nos corredores idênticos do Convento. Estava um pouco escuro e torci para não ficar perdida. Só umas poucas luzes estavam acesas nos corredores. Não sabia onde estavam os apagadores, então, sem chance de acender mais algumas lâmpadas para me guiar até meu destino.

Assim que coloquei a mão na maçaneta, a grande porta de madeira da biblioteca foi puxada para dentro junto com meu braço.

- O que está fazendo aqui neste horário? - Irmã Ângela tinha uma expressão furiosa e ao mesmo tempo assustada.

- Desculpe. - abaixei a cabeça e tremi. - É que... meu livro está com algumas páginas faltando, tem algum outro disponível?

- Não podia esperar até amanhã?

- Não, eu...

- Entre logo. - interrompeu. - Vou pegar outro para você.

- Obrigada. - sussurrei.

Fiquei esperando próxima à mesa da freira, enquanto ela caminhava pelos corredores de livros. A janela alta, de vidro transparente, ao lado da mesa mostrava o céu escuro. Não era possível ver nenhuma estrela na vastidão negra, isso era claustrofóbico. Um arrepio percorreu minha espinha e os pelos em meus braços ficaram em pé. Uma sensação estranha se instalou no ar. Não conseguia desgrudar os olhos da janela, porém não havia nada lá. Ouvi o som da Irmã remexendo as estantes. Um brilho amarelado chamou minha atenção no céu. Era quase imperceptível, mas estava lá. Dois brilhos agora, e eles piscaram. Como assim piscaram? Mais um arrepio. Os pontos brilhantes aumentaram de tamanho, eles pareciam estar colados na janela.

- O que está olhando? - a voz aborrecida de Irmã Ângela me assustou e dei um pulinho.

- Tem alguma coisa lá em cima. - apontei para a janela.

- Não vejo nada lá. - e de fato, não havia mais nenhum ponto luminoso. Será que eu estava ficando louca?

- Desculpe. Devia ser algum inseto ou algo assim... - tentei improvisar, sabendo que era pouco provável.

- Aqui está o livro. Agora, volte para seu quarto. - peguei o novo livro e entreguei o estragado.

- Obrigada. E boa noite. - retirei-me da biblioteca sem receber nenhuma resposta.

Voltei para o dormitório cheia de tensão. Sozinha no escuro, a sensação ruim que pairava no ar apenas aumentava. Pontos brilhantes pareciam espreitar a cada canto, a cada janela por onde passava. Andei apressada pelo corredor e subi as escadas quase correndo. Quando cheguei ao quarto estava sem fôlego.

- E aí? Achou outro livro? - perguntou Joan.

- Achei. - tentei fazer minha voz ficar o mais firme possível. Não queria confessar a ninguém que estava com medo do escuro.

- Que bom. - sorriu. - Agora fecha essa porta que esse ventinho está muito frio!

Sorri constrangida e fechei a porta, não antes de notar brilhos amarelos pela grande janela que dava para o jardim.

Encolhi-me debaixo da coberta e tentei não pensar no assunto. Voltei a atenção para o livro e li até adormecer.

O demônio no campanário [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now