Capítulo 46

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Abro meus olhos e a escuridão ainda toma conta do quarto, passo minhas mãos na mesa de apoio ao meu lado à procura do meu celular, assim que encontro pressiono a tela e uma luz imediatamente ilumina o cômodo me causando um incômodo, passo meus dedos pelos olhos e encaro a tela do aparelho que marca 2:45 da madrugada.
Suspiro e me encosto novamente no travesseiro me ajeitando na cama, começo a fitar o quadro a minha esquerda no alto da parede. Um quadro antigo que contém a face de uma moça, feita com os traços do céu nebuloso, seus cabelos são formados pela ventania da noite, seus olhos são de um azul escuro como o céu de uma tempestade e a sua esquerda surge uma lágrima que está escorrendo de seu olho e formando o mar agitado abaixo de seu queixo angelical.
A luz do celular se apaga e o quarto volta a ficar escuro.
Todo o silêncio é perturbador, mal ouço o barulho do ar invadindo meus pulmões.
Me levanto,vou até a porta e saio do quarto indo em direção cozinha, abro um dos armários em meio ao escuro vasculho seu interior a procura de algo para comer, acabo não achando nada além de biscoito de chocolate e escolho não levar nada.
Volto para o quarto tropeçando em alguns móveis que se camuflam em meio a escuridão de cada cômodo, quando enfim chego ao quarto deito imediatamente na cama e me cubro com o cobertor.
Coloco os fones de ouvido que estavam próximo ao travesseiro e solto a última música reproduzida logo Funck** Perfect da Pink ecoa pelos fones me fazendo ter longos suspiros.

"Fiz uma curva errada
Uma ou duas vezes
Cavei até conseguir sair
Sangue e fogo
Decisões ruins
Tudo bem
Bem vindo à minha vida boba

Mal tratada, deslocada, mal compreendida
Sabichona, tá tudo bem
Mas isso não me parou
Errada, sempre em dúvida
Subestimada, olha ainda estou por aqui .."

[...]

A noite foi difícil, acordei de madrugada e senti um pânico do silêncio que dominava a casa, andei por cada cômodo com certeza esperando que alguém acordasse e começasse uma conversa sobre algum assunto bobo como o ar úmido da madrugada quebrando assim o silêncio que me encomendava.
Acabei me dando por vencida quando revirei os armários da cozinha mais ninguém se revirou na cama.
Quando voltei a me deitar coloquei os fones e escutei minha playlist umas 5 vezes antes de conseguir pegar no sono novamente.
Achei que as férias nesse lugar seriam menos aterrorizantes.

São 17:15 da tarde e eu não aguento mais esse lugar, já perdi as contas de quantas vezes discuti com meu pai hoje.
Estou aqui em um curto período de tempo mas já estou surtando, meu pai causa isso em mim, consegue me tirar do sério e me irritar.
Nunca vamos nos dar bem porque nenhum abaixa a cabeça para admitir um erro.
Mesmo com tanta briga que temos, sinto mais paz aqui do que na casa da minha "mãe" o problema é que aqui a solidão é maior.
As palavras tem um peso imenso aqui, a dor que me consome é maior aqui do que em qualquer outro lugar porque quando olho para o meu pai lembro do meu avô que me criou.
Os gestos que faz com as mãos em quanto fala algo importante, as rugas ao lado dos olhos, a voz e até mesmo as broncas. Isso me destrói por inteira, é como se cada lugar, palavra, gesto me lembrasse que perdi uma parte de mim.
E não importa o quanto eu lute contra tudo que acontece o resultado sempre será o mesmo.
Sinto que o mundo foi feito para meus pais e que cada pedaço de matéria que existe tem como missão me lembrar que eu os perdi.

[...]

Já no meu quarto é noite de novo e eu me sinto como nas noites anteriores... sozinha.
Pego meu caderno de lembranças dentro da mala e o folheio, paro em uma página em branco com uma foto solta e sinto meus olhos se encherem de lágrimas.
Fecho os olhos e por alguns segundos consigo me lembrar daquele dia, do sol da tarde que iluminava por entre as árvores, e de como eu estava frustrada.

Era meu aniversário de 9 anos e nenhum dos meus amigos haviam chegado; Eu estava com um short jeans que havia ganhado no dia anterior da minha mãe e com uma blusa azul, meus cabelos loiros caídos sobre meus ombros.
Me sentei em um canto da sala enquanto meus parentes se divertiam lá fora, no quintal, meu pai percebeu o quanto eu estava com medo de que nenhum dos meus amigos aparecerem e para me distrair me puxou pelo braço me fazendo dançar.
Minha mãe correu pegar a câmara fotográfica e tirou uma foto enquanto ria.

Na foto estou sorrindo em quanto meu pai me rodeia em seus braços.
Minhas lágrimas molham o papel, acaricio a fotografia carinhosamente, levo uma das mãos até a gaveta ao meu lado e então pego uma cola que estava ao fundo.
Depois de espalhar a cola por toda a extensão necessária da foto, com cuidado fixo a foto no papel a colando.
Assim que termino ouço duas batidas e quando olho na direção da porta vejo meu pai, que encara o papel com a foto em minhas mãos.

- Como está? - vai se aproximando e se senta ao meu lado.
- Não sabia que doeria tanto. -digo abaixando a cabeça.
- Ele faz muita falta.
- Sim. - suspiro - ele foi um bom pai pra você?
- Não muito! Bom, no divórcio eu acabei ficando do lado da minha mãe. - diz ele me olhando.
- Senti mágoa por ele não ter ficado ao seu lado? - questiono.
- Como posso sentir isso, se ele foi capaz de criar a minha filha e dar muito amor a ela.
- Muito! - digo.
- Mais chega disso, vamos parar de drama. - diz se levantando - Ele morreu não vai voltar não adianta chorar.

Não falo nada e então ele percebe o clima que causou e sai fechando a porta.
Eu pensei que meu pai me entenderia, estava errada, ele não senti o que sinto, para ele é apenas esquecer de alguém próximo, para mim se trata de esquecer uma vida.

Anjo CaidoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora