Capítulo 3

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Alguns dias se passaram desde a notícia dada pelo padre. O povo de Monticiano ficava cada vez mais tenso com a possibilidade de haver bruxas entre eles. O inverno estava em seu auge e habitualmente nessa época as pessoas saem de casa somente quando se fazia absolutamente necessário, mas neste ano não se via vivalma nas ruas. Todos estavam trancafiados em seus lares se mantendo aquecidos e conjecturando sobre quem na vila poderia vir a ser acusado. Na casa de Allegra não era diferente.

- Ora, se há uma feiticeira aqui, só pode ser a Kiara.

- Ah quanta maldade querida, ela é só uma viúva amargurada. Não machucaria uma mosca. - disse o pai, Enzo.

- Você diz isso pois não vê como ela olha para as crianças. Parece que deseja que elas sumam! - Disse sua mãe.

- Que bobagem Donatella, eu também me irrito as vezes com o barulho que aquelas crianças fazem mas nem por isso podem me acusar por bruxaria! Ou podem?! - disse o Enzo, olhando de soslaio enquanto sorria.

-É, olhando bem você parece mesmo o tipo de pessoa que faz umas bruxarias aqui e acolá! hahaha !

Todos na mesa riram. Allegra tinha sorte de pertencer à uma família tão pacífica e divertida, nem de longe tão rígida quanto as outras.

- Eu realmente não entendo a vinda destes homens aqui. Nenhum infortúnio se abateu sobre nenhuma casa. as únicas mortes foram causadas por velhice. A única coisa que causaria estranhamento seria a senhora Eugênia ter demorado tanto tempo pra passar pro outro lado!

-Allegra você é terrível! E escute um conselho de sua mãe, antes de falar qualquer coisa em público reflita se isso é apropriado ou realmente necessário. Não foi prudente falar com o padre Lorenzo daquela maneira em frente à vila inteira. - disse a mãe.

- Daquela maneira? Que maneira? Só expus o que já é do conhecimento de todos! Aposto que todos pensaram o mesmo mas só eu falei em voz alta.

-Sinceramente não acredito que tenha feito algo errado mamãe. - respondeu Allegra.

- Você pode até pensar assim mas os homens são orgulhosos, padres inclusive, e questionar um homem orgulhoso e poderoso, questionar suas palavras em público, pode atrair um resultado severo. Por isso minha filha, tome cuidado com o que diz e à quem diz. Quem fala o que quer, ouve o que não quer.

- Entendo mamãe. Vou tentar controlar minhas palavras mas quando alguém está errado, mesmo um homem com poder, meu dever é falar o que é certo. Eu sempre defenderei a verdade e o que é justo.

Donatella deu um sorriso triste e afagou a mão da filha. Parecia que Allegra não havia entendido a seriedade de seu conselho, melhor dizendo, aviso. Levantou da mesa com um aperto no peito. Seu coração de mãe sabia que algo ruim viria para Allegra como castigo por sua imprudência.

* * *

Allegra saiu de casa após o jantar pois se sentia pensativa e precisava caminhar. Entendia o que sua mãe dissera mas não conseguia deixar de pensar nas coisas terríveis feitas por homens poderosos , e em porque ninguém pode falar contra eles. E como ela percebera apenas recentemente, porque principalmente mulheres não podem falar contra eles. Ou contra qualquer homem na verdade. Ela parou em frente à igreja se perguntando porque as mulheres não são tão importantes quanto os homens, por que deveriam se submeter à vontade deles... Ora, não são todos iguais perante os olhos de Deus?

O som de cascos de cavalos surgiu ao longe, baixo mas constante e Allegra ouviu atentamente eles se aproximarem, sentindo a ansiedade tomar conta de si, afinal, era muito raro alguém chegar à vila àquela hora da noite.

Aos poucos, em meio à névoa da estrada, os sons ganharam forma, duas carroças grandes, com dois homens altos e fortes vestidos em túnicas pretas, sentados à frente de cada uma. E eles não pareciam portadores de boas notícias. As carroças pararam em frente à igreja e a luz das tochas das praça fizeram reluzir as cruzes prateadas que as envolviam. Da segunda carroça saíram três homens idosos porém robustos, todos vestidos com opulência. Túnicas vermelhas com grandes cruzes douradas na frente e uma faixa roxa por cima dos ombros. Apesar de serem pessoas do clero, nenhum deles aparentava possuir a humildade pregada nas missas. Suas expressões eram de tamanha arrogância que fizeram Allegra rir. Os anciões se viraram e a encararam . A olharam de tal forma, que podería-se pensar que estavam examinando e memorizando cada detalhe seu.

Segundos depois, segundos que pareceram séculos dois deles finalmente entraram na igreja mas o último clérigo, ao pisar no batente da entrada da igreja, se virou lentamente, andou em direção à Allegra e disse:

- O que a senhorita faz sozinha fora de casa à esta hora da noite? - Disse ao estender sua mão enluvada para que fosse beijada.

- Estou apenas espairecendo. Andar me ajuda a refletir, gentil senhor. - respondeu Allegra hesitantemente beijando o anel do ancião.

- Sozinha? Onde está o irresponsável do seu marido? Ele não se importa com você o suficiente para te manter dentro de casa? Onde é o lugar das mulheres de bem.

- E-Eu não sou casada senhor. E me pai permite que eu ande perto de casa, quando quero. Este é um lugar seguro.

- Seguro para que e para quem, garota? Pelo que sei, ficar na rua esta hora da noite é do feitio de hereges. E você sabe o que acontece com hereges? - disse o clérigo se aproximando de Allegra intimidando-a e encurralando-a contra a parede.

- Não sei senhor. - respondeu olhando para o chão, incapaz de encarar o homem.

- Eles são julgados pela Santa Inquisição, por seu comportamento. Qualquer atitude suspeita é digna de julgamento.

- Compreendo. - disse Allegra tentando fugir do mal hálito do senhor.

- Caso você não queira que inquisidores a considerem uma ameaça à Deus e a seus humildes servos, sugiro que não fique perambulando por aí tarde da noite.

- Sim, senhor, obrigada pelo conselho.

- Espero que você me ouça, pois caso continue com essas andanças, se a Santa Inquisição não for atrás de você, o diabo irá.




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A Fogueira Da BruxaWhere stories live. Discover now