30: sherlock silvia

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    - Eu estive pensando... - Tomás começou, e retirou um panfleto de um concurso de redação para alunos dos primeiros anos do Ensino Médio do bolso da calça. Alana espiou seu conteúdo, e só conseguiu inferir do cartaz que o concurso ocorreria nas duas últimas semanas de Janeiro, e que cada aluno poderia ser orientador por um professor-tutor.

    - Não é exatamente o que eu tinha em mente.

    Por óbvio, o que Alana tinha em mente era dizer a seus pais que passaria duas semanas na casa de praia dos Belucci, enquanto em verdade estaria em um charmoso loft na Riviera de São Lourenço com um Tomás semi-bronzeado lhe estendendo um suco de laranja fresco enquanto tomava sol em uma espreguiçadeira estrategicamente posicionada, após uma noite intensa de sexo não-convencional com seu Professor de Literatura.

    Ela sacudiu a cabeça. Para que isso acontecesse, ela teria de perder a virgindade, e isso não parecia ser algo que estava nos planos recentes de Tomás Barth.

    O que era, no mínimo, irritante, considerando todo o trabalho que Alana tivera para justificar transar com ele, diga-se de passagem, se meter na periferia e descobrir que seu não-namorado não era um traficante de uma droga sintética e única, mas sim a Professora Cristina. Garotas comuns não teriam de passar por esse tipo de importunação. Elas só iriam até lá e dariam para o cara, ponto final, e nenhuma investigação profunda seria necessária.

    Isso era frustrante. Aqui estava ela, planejando férias românticas com Tomás, enquanto a ideia dele de verão dos sonhos era passar Janeiro, na glória de seu calor escaldante, trancado numa sala mofada ajudando Alana a escolher conjunções.

    - Acho que Alfie tem uma boa chance de ganhar. - disse ele com honestidade e total indiferença ao fato de que Alana tinha fechado a cara.

    - Vou pensar. - resmungou ela, agarrando o folheto das mãos dele, e dando-lhe as costas enquanto Tomás era deixado para trás com um grande ponto de interrogação estampado na cara.

    Alana caminhou furiosamente até Silvia, que estava sentada em um banco perto aos portões do Colégio, aguardando ansiosamente pelo momento em que estes se abririam e a livrariam daqueles corredores, pelo menos por algumas horas. As bufadas de Alana se faziam plenamente audíveis, a despeito do volume máximo de seus fones de ouvido. Por isso, contra a sua vontade, Silvia pendurou os imensos headphones no pescoço e perguntou:

    - Pra quê tudo isso?

    - Tomás quer que eu participe de um concurso de redação idiota. - Alana empurrou o panfleto para Silvia, que revirou os olhos. Ela não podia acreditar que pausara Kings Of Leon para lidar com drama do Professor.

    - Pelo que eu estou vendo, não é idiota. - emitiu finalmente, após passar os olhos pelos dizeres do panfleto – É um concurso grande, do Estado todo.

    - Eu acho idiota. - Alana cruzou os braços, sem conseguir dizer exatamente por que achava o concurso idiota; quer dizer, ela poderia expressar seu ódio para a não-sexualidade óbvia de Tomás para Mika ou até mesmo para Brenda, mas não achava que Silvia, de todas as pessoas, pudesse entender – Além do mais, ninguém vai querer ler as porcarias que eu escrevo.

    - O Professor certamente acha que alguém quer. Ou é só o Tomás querendo exibir o bichinho de estimação dele para um público mais abrangente.

    - Nossa, qual é a dessa amargura? Silvia, sério, já está na hora de você superar a sua implicância com o Tomás. A Brenda superou.

    - Você deve estar com algum tipo de dano cerebral se acha que a Brenda superou isso. - comentou Silvia, devolvendo o panfleto, que foi enfiado sem cerimônia no fundo da mochila lilás de Alana – Ela só se distraiu com a perspectiva de fazer a Cristina sofrer. Dou dois dias até que ela volte ao seu melhor juízo e prossiga gongando o Tomás, assim como eu.

    - Eu sei que você está cuidando de mim, e isso é muito fofo da sua parte. Mas, de verdade, nós já sabemos quem é que trafica aquela Holiday, e é a Professora Cristina. Você pode parar de punir mentalmente o Tomás agora.

    - Alana, o que você não percebe é que o Tomás tem de estar envolvido de alguma forma. Nem que seja acobertando a Cristina ou algo assim, porque tudo que eu descobri foi fuçando o computador dele, não dela. E ele te levou para aquele jardim alegando ser da família dele, por algum motivo, então ele tem que estar metido nisso.

    - Será que você não podia desistir da sua lógica só dessa vez? Por mim? - Alana piscou na direção de Silvia, tentando imitar a bateção de cílios de Brenda (que parecia funcionar sempre com as amigas, na hora de convencê-las a fazer algo idiota como tocar fogo em um casebre na propriedade de um Professor do Colégio).

    - Enquanto eu acreditar que a minha melhor amiga está se envolvendo com um traficante, eu não vou desistir não.

    - Você foi suspensa, Sil, por enfiar seu nariz em um problema que não é seu. Deixa eu ser sua amiga agora, e pedir para você deixar essa história pra lá antes que você seja expulsa ou pior?

    - Não mesmo. Tomás tem alguma relação com essa história, e eu vou descobrir qual é. - Silvia ajeitou os óculos na ponta do nariz e lançou à amiga aquele olhar severo e determinado, que geralmente só aparecia diante de algum código-fonte indecifrável – E quando eu descobrir, você vai me agradecer.

    Ela jogou a mochila às costas e saiu batendo os coturnos, o cabelo loiro ondulando ao sol, enquanto caminhava em direção ao portão da escola – que finalmente lhe concedera sua alforria –, ansiosa para chegar em casa e hackear a vida de Tomás Barth inteira, desde o nascimento até o dia presente. Alana teve um mau pressentimento em relação a isso, parecidíssimo com a sensação ruim na boca do estômago que tivera quando se dera conta de que Brenda não estava na escola para se vangloriar da sua cola milagrosa na prova de Literatura.

    Mas decidira ignorar. Se uma coisa foi assimilada nos últimos tempos é o fato de que Brenda Belucci e Silvia Rosa sabiam dar conta de si mesmas.

    Alana checou o celular, apenas para se certificar de que Thales seguia sem responder suas mensagens. Ela até abrira a janela de conversa, e até mesmo chegara a digitar um "oi", mas mensagens de Mika chegaram na sequência e a despertaram para o fato de que aquele segredo estava muito bem guardado e ninguém precisava revirá-lo.

    Mika a convidava para fazer compras com Natassia. Compras de roupas de mulher, para que Alana parasse de se vestir como um urso de pelúcia. Compras viriam a calhar, e talvez se ela se vestisse mais como Mika e menos como ela mesma, Tomás deixaria de lado o preciosismo de tratá-la como uma garotinha de colégio católico, e mais como... bem, como uma garota com quem ele transaria.

    Vou te contar, pensou Alana consigo mesma, nunca imaginei que perder a virgindade pudesse ser tão... demorado.

 demorado

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Não Confie Nas Boas MeninasWhere stories live. Discover now