DOIS | Tessália

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Assim que voltei para a sala, deixei meu corpo cair no sofá. O som do meu choro preencheu a casa silenciosa e eu não percebi a presença da minha irmã até ela me puxar pelos ombros em um abraço consolador. Chorei ainda mais, consumida pela vergonha de ter permitido que minha irmã ouvisse mais uma das nossas brigas. Eu deveria ser um modelo para ela, mas era o pior exemplo que podia ter. Onde meus pais estavam com a cabeça quando acharam que seria uma boa ideia mandar a pirralha para morar comigo? Eu não tinha responsabilidade nenhuma para cuidar de uma garota de dezenove anos!

— Tá mais calma? — perguntou Priscila, mais tarde, afastando-me dos seus braços quando percebeu que eu já tinha parado de chorar. Não sabia quanto tempo havia se passado, minutos ou horas talvez, mas apesar da tristeza, dos soluços que ainda balançavam meu peito e da dor no meu coração, eu parecia ter secado toda a fonte de lágrimas dentro de mim.

Eu dei de ombros, mesmo que calma fosse a última coisa que eu tivesse.

— Quer que eu compre uma pizza? E depois tomamos sorvete vendo 10 coisas que eu odeio em você? — sugeriu, com um sorriso cheio de pena. Aquele já tinha se tornado nosso pequeno ritual toda vez que eu brigava com Cauã. Ou quando Priscila estava chateada com alguma coisa, o que acontecia muito raramente se comparado comigo.

Tudo o que eu queria mesmo era deitar na minha cama e não levantar mais, mas minha irmã nunca me deixaria entrar numa fossa tão grande. Por isso, eu acenei a cabeça em concordância e aproveitei o tempo sozinha para voltar a me afogar na tristeza.

Apesar de ter sido contra a vinda de Priscila para o Rio, no início, momentos como aquele me faziam repensar essa opinião. Morar sozinha podia ter muitas vantagens, mas também era bem solitário. E, para quem tinha crescido numa casa barulhenta, o silêncio muitas vezes era incômodo demais para suportar — principalmente, quando eu precisava tanto de consolo e carinho das pessoas que eu amava.

Já fazia mais de quatro anos desde que eu tinha me mudado para a capital. Antes disso, morava em Teresópolis, na região serrana do Rio, com minha mãe, Priscila e nossa irmã mais velha, Larissa, até que consegui uma bolsa de estudos integral em Design, no Rio. Todos sabiam que era uma oportunidade boa demais para deixar passar e, por isso, meu pais aceitaram bancar minha mudança. Foi assim que acabei morando sozinha por três anos, até minha irmã entrar para a estadual e vir morar comigo. E durante aquele ano ela já tinha presenciado mais brigas do que eu gostaria de admitir.

Eu ouvi o barulho da porta sendo destrancada um segundo antes de Priscila entrar pelo corredor, cheia de sacolas num braço e duas caixas de pizza sendo equilibradas no outro.

— Não tinha aquele de sorvete de macadâmia que você gosta, então eu trouxe o de cookies mesmo, tá? — avisou enquanto colocava as compras na mesa da sala. Eu dei de ombros e apenas murmurei em concordância. Ela se virou para mim com uma expressão preocupada. — Você quer que eu chame a Flávia? — perguntou, referindo-se à minha melhor amiga.

— Não — respondi rápido demais. Priscila ergueu uma sobrancelha. — Você sabe que a Flávia não gosta do Cauã. Ela é ótima pra me animar, mas eu não tô a fim de ser animada no momento. Não quero ouvir ela falar que vai ser melhor pra mim, que eu me livrei de um embuste, blá blá blá.

Revirei os olhos, lembrando do discurso que Flávia repetia tantas vezes que eu já sabia de cor. Eu estava cansada de ouvir suas reclamações sempre que desabafava sobre meu namoro. Ela nunca conseguia entender como eu me sentia e era cansativo demais explicar a mesma coisa todas as vezes. Para piorar, ela e Cauã não se davam bem, e as minhas brigas com ele andavam tão frequentes que por vezes eu preferia evitar tudo que pudesse desencadear uma nova discussão. Por isso, de uns meses para cá, eu tinha decidido dar um tempo dela antes que nossa amizade ficasse ainda mais danificada.

Priscila deixou escapar um suspiro e sumiu pela porta da cozinha. Ela voltou logo em seguida, com duas colheres na mão, tirou o pote de sorvete de dentro da sacola e se sentou ao meu lado.

— Você podia pelo menos ter deixado o filme no gatilho aqui, né? — resmungou enquanto pegava o controle para ligar a televisão. Como eu não tinha forças nem para responder, apenas esperei que ela desse o play e comecei a tomar o sorvete.

Eu estava tão sensível que toda vez que Heath Ledger aparecia na tela eu chorava lembrando que ele tinha morrido — o que basicamente significava que eu não tinha parado de chorar um segundo sequer desde que o filme começou. Por fim, Priscila resolver trocar por algo menos mórbido e acabamos assistindo 500 dias com ela. Isso me fez esquecer um pouco a tristeza e direcionar toda a minha frustração para a protagonista.

— A Summer é uma vadia sem coração — comentei enquanto mordia um pedaço de pizza de pepperoni que tinha acabado de pegar.

— Não vamos começar essa discussão de novo, Tessa. — Minha irmã respirou fundo e engoliu o próprio pedaço antes de se virar para mim. — O Tom é que foi trouxa.

E é claro que começamos a discussão de novo.

— Ele não consegue superar o fim porque não queria enxergar as coisas como eram de verdade. A Summer nunca amou ele, mas o Tom ficava se iludindo! Por isso que quebrou a cara. — Minha irmã cruzou os braços, esperando que eu retrucasse.

Eu respirei fundo e começamos a debater sobre a relação dos personagens enquanto o filme continuava a passar na televisão.

Priscila e eu concordávamos em discordar de muitas coisas, mas ela nunca me deixava falar mal da personagem de 500 dias com ela. E, ironicamente, quase todos os argumentos que usava pareciam uma indireta para mim.

Desde que minha irmã e eu discutimos sério por causa do meu namoro, Priscila evitava dar pitaco sobre ele. Mas esse era o filme das piores brigas, quando meu emocional estava abalado demais para ver 10 coisas que eu odeio em você. Eu tinha a impressão de que debater comigo sobre a relação de Summer e Tom era sua forma de mostrar que se preocupava comigo, ainda que indiretamente.

E por mais que nossas opiniões fossem completamente diferentes, minha irmã sempre estava presente quando eu precisava dela, então eu estava feliz com as coisas daquele jeito.

Exceto agora.

Agora, eu não estava nem um pouco feliz.

Eu não queria o consolo da minha irmã. Eu queria que meu relacionamento não tivesse terminado. Eu queria ter conseguido dar um jeito nas coisas. Porque, por pior que tudo estivesse, eu nunca tinha me permitido aceitar a ideia de terminar. Parecia masoquismo, mas a verdade era que eu amava Cauã mais do que achava possível. Eu me sentia completa com ele e, quando as brigas davam uma trégua, eu vivia os momentos mais felizes da minha vida. Como podia cogitar seguir em frente sem alguém que me proporcionava sentimentos tão incríveis?

Mas ele cogitou. E agora eu estava vendo filmes românticos e me entupindo de comida nada saudável, discutindo com minha irmã mais nova sobre personagens fictícios enquanto a sensação de que o mundo estava desabando era revigorante perto de todo o resto que eu sentia.

O que seria da minha vida agora?

Como reconquistar um amor perdido (DEGUSTAÇÃO)Where stories live. Discover now