Capítulo 5 Eduardo

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Cheguei em casa. Abri a porta, fechei, coloquei as chaves no terceiro prego do porta-chaves. Não no primeiro, nem no segundo, muito menos no quarto prego. No terceiro porque lá é o seu lugar. No primeiro é a chave do carro, no segundo a chave do cadeado da minha bicicleta e o no quarto nada ainda.

Coloco minha carteira dentro do roupeiro. Acendo as luzes, ligo o ar condicionado, a TV. A TV está levemente inclinada pra esquerda, arrumo na posição ideal

Samanta deixou eu ficar aqui uns tempos até achar um lugar pra ficar. Ela ta na casa da mãe dela e essa é a casa dela. Hoje olhei 3 casas e 2 apartamentos. No ultimo prédio encontrei a Barbara. A reconheci de cara, mas fingi que não porque faz parte de um jogo, um acordo social, um meio defesa, ou talvez por eu ser meio mentiroso mesmo. Ela estava bonita até. Não me lembro de tê-la visto de cabelos compridos, nem de maquiagem, nem de saia. Era uma saia imensa preta, o top curto listrado azul escuro e branco bem justo ressaltou uma cintura que eu não me recordava que ela tinha. Nem daquela tatuagem de dragão preto no braço.

Há 8 anos nós ficamos. Mas tudo fazia parte de um plano. Eu, assim como todos os garotos da escola, éramos perdidamente apaixonados pela Nanda.

Nanda era o tipo de garota que não precisava fazer nada pra ser bonita. Ela tinha aquele tipo de cabelo que ficava incrível, solto, preso, bagunçado, longo, curto. Ela tinha um tipo de corpo que qualquer roupa ficava bem. Saias, calças, moletons, biquíni, burca. O tipo de olhos que você ficava pensando como era possível aquela cor. O tipo de sorriso que era doce e gentil e com uma risada contagiante. E ela era aquele tipo de pessoa que você queria estar perto. Ela era alegre e sempre sabia o que dizer. Falava com propriedade e todos a ouviam porque ela era uma líder natural e nem sabia. Só que perto dela tinha a Barbara. E a Barbara a monopolizava. Eram grudadas e ficava muito difícil chegar perto da Nanda com a Barbara por perto. Barbara era um cão de guarda, literalmente. Muitos guerreiros morreram na praia na tentativa de se aproximarem da Nanda. Barbara espantava todos eles com ameaças, gritos, uns disseram que até vudu. Eu via que o acesso a Nanda era complicado. A Barbara não tinha amigos na escola, então ela protegia a sua amiga com unhas e dentes. Nanda parecia não se importar com o comportamento maluco da amiga porque ela era daquele tipo de pessoa que só vê bondade. E eu era o tipo de garoto que precisava ter a Nanda comigo.

Então meu plano era me aproximar da Barbara pra ter um mínimo acesso à Nanda. Comecei a vigiar o comportamento dela pra ver do que ela gostava. Muitas camisetas do Legião, era um bom começo.O 

O Pug's era a lanchonete mais badalada da cidade, que ela ia todo o sabado a noite pra comprar suco, pão de forma e refrigerante de uva.

Planejei tudo e fui até o Pug's.

Camiseta preta, jeans surrado, fone no ouvido. Ela tava no balcão comendo um chocolate, totalmente sozinha. Era a chance perfeita. Passei atrás dela bem devagar e comecei a cantar Pais e Filhos do Legião de maneira que parecesse distraída. Assim que abri a boca pra cantar ela se virou, rápida como um raio e segurou meu braço com uma força desproporcional aos seus braços finos. Tomei um susto de borrar as calças, mas me mantive firme. Ela perguntou:

- legião?

- sim. Você gosta? – tive que usar de toda a minha concentração pra não gaguejar.

- é a minha banda.

- show. Eu curto muito.

- Renato Russo é o meu poeta.

- ele é o cara mesmo.

- qual sua musica preferida? – ela ainda estava apertando meu braço e eu provavelmente estava ficando roxo ali.

- pais e filhos. – era a musica que eu decorei pra poder cantar ali atrás dela no meu plano.

- por que? – os olhos dela me fuzilavam. A resposta deveria ser a certa, senão eu seria um cara morto e borrado.

- sou órfão. – e era uma baita mentira. Só que ela arregalou os olhos e soltou meu braço. Ficou constrangida e levemente emocionada.

- sinto muito. Essa musica deve ser seu hino. Deve ser importante e eu não me importo de dividir com você.

- obrigado.

Naquela mesma noite nós nos beijamos muito no estacionamento do Pug's.

 Ela beijava bem, tinha um cabelo cheiroso e não estava sendo uma tortura como eu imaginava.

Mas ela era desconfiada e falou que só ficaríamos fora da escola. Na escola nem andaríamos juntos por enquanto. Eu ainda estava em fase de testes. Barbara e seus testes. 7 dias se passaram e ela disse que eu poderia passar o intervalo com ela naquela tarde. Quando bateu o sinal do intervalo fui todo animado pra perto dela e perto dela estava Nanda. Finalmente eu teria minha chance.

- Marra essa aqui é a Nanda, minha amiga. Você pode ficar junto da gente, mas sem muita intimidade. Você ainda está em fase de teste, não se esqueça.

- Nanda, esse é o Marra. Pais e filhos é a musica da vida dele. Ele é órfão.

Nanda, que até então me sorria com gentileza, abriu os olhos e parou de sorrir. E eu logo soube que ela sabia que eu tinha mentido. Mas ela não falou nada. Isso era bom. Só me estendeu a mao e nos cumprimentamos. A mao dela era pequena e delicada.

Passamos o intervalo juntos e eu me sentia vitorioso. Tinha conseguido chegar onde nenhum outro soldado chegou.

Dois dias depois, com uma descrição impressionante, Nanda me deixou um bilhetinho assim que Barbara se distraiu. Pensei, cara to indo bem! Na sala de aula abri o bilhete.

Me encontre no Bug's

Te espero lá pontualmente as 19h.

Eu ri por dentro. Meu plano era um sucesso e logo desfilaria com meu troféu de cabelos dourados por aí.

Sai da aula mais cedo. Fui pra casa, tomei um banho demorado, passei perfume, gel no cabelo. Vesti minha melhor roupa. Faltando 10 minutos para as 19h eu cheguei e minha garota, sim, eu já a considerava minha, estava lá sentada no balcão.

- Oi Nanda! – cheguei com um sorriso de orelha a orelha.

- Oi. Senta.

Eu sentei e fiquei bem pertinho. Ela tava com os cabelos presos num coque solto e alguns fios caiam despretensiosos por seu rosto pequeno que sustentava seus óculos enormes e dourados. Vestia um casaco amarelo, blusa branca, shorts caramelo e chinelos. Linda!

- vou ir direto ao ponto, está bem?

- está bem. Diga. – é agora!

- sei que você mentiu pra Barbara. O que você quer com ela? Você quer brincar com ela? A magoar? Pois saiba que todos que querem o mal dela não tem nada de mim, nem mesmo meu desprezo. – eu fiquei de boca aberta sem nem saber o que responder.

- e-eu...

- Barbara é minha melhor amiga. Ela tem o melhor coração do mundo e esse coração não merece ser magoado. Ela gosta de você Eduardo. Na verdade ela gosta do Marra que nem existe, porque ele é uma mentira. Conte a verdade pra ela. E talvez, talvez, eu pense em começar a não gostar de você. Porque, nesse momento, eu desconsidero totalmente sua existência.

Ela levantou e saiu.

E eu fiquei lá por mais 10 minutos totalmente atônito. Pra variar ela estava completamente certa. Coberta de razão. Barbara era uma garota legal que não merecia um idiota mentiroso como eu. Se Barbara não merecia, quem dirá Nanda. Eu era um besta.

Dias depois eu terminei com a Barbara e não tive coragem de contar a verdade.

zC4OG

Pirados [Degustação]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora