Capítulo 4 Barbara

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Eu to solteira. Moro num AP bacaninha perto do centro. Trabalho como atendente de telemarketing, aquilo é um inferno, to lá tem 4 anos. Sou uma guerreira! Na verdade sou uma preguiçosa que se contenta com miséria.

Eu deveria pensar na minha carreira, mas sei lá, não me agrado com nada, não sei o que quero ser quando crescer e o assustador é que eu cresci. Com 25 eu já deveria estar formada numa faculdade e trabalhando alegremente na minha área escolhida. Só que eu não costumo planejar nada e a faculdade não está na minha lista de prioridades.

A Nanda está casada há 6 anos. Fabrício é um bom homem, passou em todos os meus testes e analises. Ele sabe que qualquer vacilo será um homem morto. Demorei muito a aceitar a ideia de ter que dividir minha amiga com alguém. Nunca precisei dividir a Nanda, ela sempre foi minha e deu.

Eles começaram a namorar quando a Nanda tinha 18, ele é 3 anos mais velho. No inicio eu deixei claríssima minha posição pra ele. Aquela menina de cabelos dourados era minha e eu poderia a dividir com ele somente porque ela gostava dele. E se a Nanda gosta de alguém é porque esse alguém vale a pena.

Começou com eles se encontrando nos finais de semana. Depois foi aumentando os dias. Logo eles se viam diariamente e eu tinha que aturar. Nanda fazia de tudo pra que nós tivéssemos um tempo juntas, ela dispensou o Fabrício diversas vezes por minha causa. Aquilo era bom, só que o engraçado era que ele compreendia nossa amizade. Ele mesmo se deu conta de que estava rompendo uma barreira e começou a nos dar mais espaço. Então eu fui ao teste final: " você deixaria Nanda pra que ela ficasse mais tempo comigo e fossemos as boas amigas que éramos antes de você chegar?" A pergunta era forte e a resposta crucial. Ele respondeu: " eu amo a Maria Fernanda tanto quanto você a ama e sei que ela ama muito você, são melhores amigas. A felicidade dela é o que mais me importa. Se eu souber que estou a deixando triste, vou ter que me tornar um cara melhor para merecê-la. Se ela for mais feliz com você do que comigo, eu a deixarei sim, mas só se ela estiver infeliz do meu lado, do contrário, eu tenho planos de levá-la ao altar e depois às nuvens!".

Com essa resposta ele venceu meus testes.

Hoje nos falamos tão pouco, tipo só por mensagem de whats. Todo dia. Eu ainda conto a ela tudo o que acontece de novidade comigo e ela me relata seu dia com uma precisão exemplar, eu gosto disso. E combinamos de nos encontrarmos a cada 15 dias e é sempre no Pug's

Nossa vida tomou rumos diferentes e nos separou, fisicamente. Ela se casou e foi morar com o Fabrício na cidade vizinha e eu sai de casa porque tava na hora. Minha mãe arrumou um novo marido depois de 10 anos solteira. E o cara é igual a ela, os dois curtem a vibe hippie, fazem mantras, yoga, usam um cabelão, calças pantalona e faixa no cabelo. É vergonhoso. Minha mãe é zen até demais, inclusive me recomendou experimentar umas paradas muitos estranhas esses dias, dizendo que eu tava muito estressada e precisava relaxar na paz do nirvana.

Quando eu era adolescente as doideiras da minha mãe não eram tão gritantes quanto agora. Só agora eu vejo que cresci numa casa esquisita, cheia de budas e elefantes, com cortinas de bambu colorido, filtros do sonho, mensageiro dos ventos, incensos, penduricalhos até onde a visão podia alcançar, tatuagens coloridas e uma fumaça constante.

Moro no sexto andar, então tenho que usar o bendito elevador, detesto elevadores mas detesto mais ainda as escadas. Coloco meus fones e aproveito que o elevador é sempre só meu nesse horário pra cantar sem medo de ser feliz. No meu ouvido Thedy Correa canta Astronauta de Mármore e dou a essa musica maravilhosa a minha interpretação até que o elevador para no terceiro andar. Ele nunca para, nunca! As portas se abram e eis que entra nele um cara bastante familiar. Eu nunca esqueço um rosto, ainda mais aquele rosto. Eduardo Marra! Ele entrou cabisbaixo mexendo no celular e nem se deu conta da minha presença, mas a presença dele ocupou todo o espaço do minúsculo elevador. Ele estava bem, muito bem diga-se de passagem: calça jeans, camiseta polo cinza, um tênis social preto, cabelo escuro caprichado no gel, um perfume incrível.

Puxo assunto ou não?

- hei, você é o Marra? – perguntei sendo muito ridícula. Ele levou uns 5 segundos pra tirar os olhos da telinha do celular e olhar pra mim.

- sou eu. Me conhece? – como assim se eu te conheço? Eu troquei saliva com você tem 8 anos, trouxa!

- trocamos saliva há 8 anos. – é, eu não tenho um filtro entre meus pensamentos e minha boca. Ele ficou pensativo, achando engraçado o que eu disse.

- Barbara? Só pode ser pra ter falado algo do tipo. Você não mudou nada!

- se não mudei como não me reconheceu?

- você mudou o cabelo.

Eu tinha deixado crescer mais do que o ombro.

- ando com preguiça de cortar.

- ta usando maquiagem.

- sou uma trabalhadora agora, acho interessante.

- concordo com você.

- o que veio fazer no meu prédio?

- comprou o prédio?

- não precisa ser comprado pra ser meu. – ele riu

- to visitando apartamentos. Vou me mudar. Você ta morando aqui?

- no sexto.

O elevador chegou no térreo. Descemos.

- seu prédio parece bom. Pode ser que eu o escolha.

- vai ter que passar em alguns testes antes de pensar se pode morar aqui. Você sabe, sou meio apegada.

- adoro testes.

- é o que veremos!

- quando começam esses testes? – perguntou quando chegamos na porta do prédio. Eu desci o degrau, fui pra calçada e respondi:

- já começaram!

Fui andando serelepe sem olhar pra trás. Mesmo sem ter visto, sei que ele sorriu.


Pirados [Degustação]Where stories live. Discover now