Cristina( versão Rafael)

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Nós não éramos, necessariamente,próximos!
Conversávamos intimamente,vez ou outra,mas não sei se ela me considerava um amigo.
Eu era mais um espectador, porque eu realmente tinha o hábito de observá-la.
Ela era uma mulher exuberante,exótica.
Bom,não sei se eu me apaixonei mesmo por Cristina, mas uma coisa era certa, ela tinha um enorme poder de sedução sobre mim. Eu não sei explicar ao certo todo esse fascínio,era um sentimento platónico.
Eram poucas as vezes que nos aproximávamos ,no geral eram os típicos cumprimentos: -Bom dia,Boa tarde,Boa noite! E aí, vizinho!
As vezes ela cozinhava em casa e fazia questão de levar para eu provar: lasanhas,rocamboles, quiches,tortas...a típica política de boa vizinhança. Pode-se dizer que ela era um doce de vizinha,que ninguém diria um A contra ela,mas ao mesmo tempo era uma criatura,extremamente, contraditória. Cheia de vivacidade,ávida por emoções, independente e ao mesmo tempo carente,afetuosa e arredia. Ela era um enigma e essa era uma das coisas que me encantava.
Vez ou outra,ela me convidava para tomar uma cerveja na varanda da sua casa,dizia que precisava espantar a solução e eu era uma boa companhia. Me contava suas aventuras e desventuras amorosas,dos casos de fim de semana, dos caras que achavam que iriam domar seu coração e só duravam até ela se cansar deles,sem perceber o grande incomodo que seus casos ao acaso me causavam.
Ela me dizia que era dona-de-si,dona do seu coração, que homem algum jamais brincaria com ela,que ela não era dessas mocinhas doces e românticas que se deixam levar por flores e promessas infundadas. Falava isso com tamanha precisão e até uma certa arrogância, mas eu sentia o seu sarcasmo e o desdém ao falar dos homens,na verdade escondia uma grande mágoa, eu percebia aquele brilho intenso com um misto de raiva e dor no seu olhar,quando dizia essas coisas.
Ela negaria até a morte,mas era sim uma mulher romântica, que escutava Cazuza, Ana Carolina,Frejat, mas o seu favorito era Roupa Nova e ela repetia a letra de Coração Pirata como um hino. Dizer que era "dona do seu coração "era o seu mantra,como se ela tentasse se convencer daquilo,mas a música que ela repetia incessantemente era "A força do amor". Já vi esta música lhe arrancar lágrimas e irritar os outros vizinhos, já que ela a repetia cinco,dez,quinze vezes. Só com aquela letra,aquela melodia,ela demonstrava certa vulnerabilidade.
Eu não diria que esse era o seu ponto fraco. Até por que amar,não pode ser considerada uma fraqueza,e era só ali que eu notava a sua capacidade de amar!
Eu não sabia a quem ela amava,ou amou! Na verdade,nunca a vi com ninguém ,mas eu sabia que havia alguém que um dia despedaçou o seu coração e a transformou naquela mulher fria e dura que ela mesma se taxava cheia de orgulho.
Coração de pedra? Não sei de onde ela tirava isso! Pra mim aquilo era só uma máscara, uma fantasia para esconder a sua verdadeira natureza, para não revelar que se importava sim quando seus relacionamentos não davam certo.
Uma farsa pra não dizer que chorava,mas acho que só o seu travesseiro poderia revelar quantas lágrimas os seus olhos já haviam derramado e escondido nele.
Ela era forte! E isso não permitia que eu me aproximasse. De certo modo,ela se dizia tão dona de si,que isso me afastava. Talvez eu fosse um pouco covarde,mas eu preferia me manter na minha zona de conforto. Eterno espectador! Por que toda a auto-suficiência de Cristina me dava medo!
Eu até quis algumas vezes me aproximar e dizer que eu a desejava,que eu queria ficar com ela,mas eu não sabia como falar com Cristina,eu não sabia como demonstrar o que eu sentia.
Ela era um sonho distante e não deixou de ser.
Um dia,ela simplesmente fez as malas e partiu. Veio a minha casa com lágrimas nos olhos ,beijou-me os lábios de maneira intensa numa troca desenfreada de saliva,suas mãos apertavam o meu pescoço e puxavam meus cabelos,nossas linguas se enroscavam,mas da mesma forma abrupta que ela começou aquele beijo,ela o interrompeu,apertou-me forte contra seus braços e partiu com um largo sorriso nos lábios. Eu fiquei parado com cara de bobo,tentando entender aquele beijo,enquanto ela partia na sua moto seguindo o caminhão da mudança.
Até hoje não consigo entender completamente os mistérios de Cristina e já cogitei a possibilidade de ir atrás dela,mas tenho certeza que não representei tanto para Eça quanto ela para mim. Então ,mantenho-me inerte e única coisa que me restou foram as doces lembranças da enigmática Cristina.

Contos e Cronicas De Amor Não Correspondido.Where stories live. Discover now