Caçada clandestina

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Na minha agência, fazíamos uma espécie de auditoria, uma inspeção para saber como estava cada pessoa que contratou um atravessador. Se o objetivo foi alcançado, o atravessador era recompensado, diante de fraudes, ou de serviço prestado contrários à política da agência, o atravessador era convocado a prestar contas.

Às vezes a sujeira era tanta, que o atravessador simplesmente desaparecia, adotava uma nova identidade e continuava extorquindo e até mesmo matando. Afinal, uma pessoa com habilidades de prever possibilidades em potencial era um atributo desejável.

A economia global era uma icógnita, o solo em boa parte do planeta já não era mais fecundo, as plantas que cresciam tinham traços sintéticos. Alguns animais também tinham traços sintéticos em seu DNA, aliás a própria engenharia genética havia se tornado uma experiência barata, possível de ser praticada por quem tivesse algum poder de compra. Os governos não funcionavam, o ser humano não funcionava.

E eu fui enviado para localizar um atravessador.

Segundo o dossiê, era um ex-artista que descobriu sua habilidade enquanto pintava seus quadros, desenhava e escrevia seus filmes. Assisti seus filmes, inclusive aquele que o fez ser recrutado. Sua grande obra prima, tornou-se na verdade a reprodução exata de um acontecimento em andamento. Seus atores, selecionados por ele à dedo, eram a semelhança perfeita com pessoas reais, e que após a estreia do filme vimos aparecendo nos noticiários.

Seu filme falava sobre pessoas geniais confinadas em uma clínica para tratamento de esquizofrênicos, e que tornaram-se cobaias para teorias experimentais sobre viagem no espaço-tempo. Pessoas que afirmavam sobre universos paralelos em crise, onde alguns indivíduos eram singularidades, e que esses indivíduos podiam transitar livremente por esses universos sem causar danos à nenhuma linha temporal, e que faziam isso desde sempre.

Em seu filme, esses indivíduos trabalhavam informando aos que não podiam fazer essas travessias, sobre possibilidades. Eram mais do que clarividentes, mas nem todos sabiam o que é que estavam fazendo. Para alguns era uma experiência espiritual, outros acreditavam enfim estarem conectados à fonte da vida.

Ele descobriu o surgimento da Ordem dos Atravessadores.

E mais do que descobri-la, ele praticamente os expôs. Megacorporações queriam ter acesso direto à ele, ao seu material de pesquisa, e também à esses esquizofrênicos possíveis gênios. Um incidente químico colocou em quarentena toda a região ao redor da clínica, e o filme tornou-se um estrondoso sucesso de bilheteria, uma grande obra da ficção científica.

O filme tornou as pessoas mais abertas à ideia, inclusive o conceito de cidade hermética difundido no filme tornou-se um projeto interessante e viável.

E nos quinze anos seguinte, Azimute desapareceu.

Fora recrutado pela ordem dos atravessadores, treinado e mantido em segurança das megacorporações. Era o batedor da ordem, uma ordem que regulava as atividades dos atravessadores, consciente de que as travessias poderiam ter consequências em larga escala.

Azimute descobriu que os atravessadores não eram os únicos capazes dessas travessias, descobriu que todas as pessoas tinham essa possibilidade, e às vezes ás usavam inconscientemente, à cada escolha feita diariamente. E defendeu os estudos posteriores, em cada linha temporal por onde fluiu. Era um retrocesso da teoria, a Ordem o advertiu. E ele achou dentro da própria Ordem o apoio para suas teorias entre os agentes responsáveis pela liberação das travessias.

Sim, à Ordem conseguia mapear e manter indivíduos com as habilidades de travessia, restritos á suas próprias linhas temporais, seu controle estendeu-se globalmente, e agora havia conselheiros da ordem dentro das corporações, e dos órgãos governamentais, principalmente entre os órgãos responsáveis pela segurança. Ninguém realizava um travessia que envolvesse muito dinheiro ou poder sem o conhecimento da Ordem.

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