Capítulo I - A chegada

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"Esta é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações terá sido mera coincidência."


Aldeia de Merchants, região da Podolia na Ucrânia...

__Caro Sr. Sidrailoski, pode parar a carruagem aqui mesmo neste ponto.

__ Svidrailovsk! meu caro retirante, Svidrailovsk! Corrigiu o carroceiro, com certo descontentamento e repugnância.

__Está certo! Bradou Gesmóv Pavlóv com a voz cansada e aflita. Pare aqui mesmo, daqui seguiremos a pé até os nossos aposentos.

Gesmóv Pavlóv pegou a filha caçula no colo com certo desajeito e apressou-se a colocar o xale sobre a cabeça da filha tentando aquece-la do frio, pois era muito intenso, a chuva torrencial não dava trégua e conformou-se por hora na obrigação de proteger sua família com um cobertor provisório.

Logo em seguida, desceram ele, a sua esposa, e suas duas filhas, todos muito cansados de uma viagem longa e ininterrupta. O velho da carroça comoveu-se e deu uma mão para ajudar a descarregar as malas que além de pesadas, apresentavam em seu couro um aspecto surrado e maltratado pelo mau uso e passar do tempo.

__ Obrigado Sr. Sidrailoski. Quero dizer!

__ Deixa pra lá! Sugiro que não saia daqui até que amenize a chuva, Sr. Pavlóv, caso contrário colocará a saúde de sua esposa e suas filhas em risco. Terei que me retirar agora, se precisar de mim, amanhã ao amanhecer estarei passando novamente pela aldeia e estarei à disposição se caso precisar dos meus serviços.

Pavlóv não respondeu com palavras, apenas acenou positivamente com a cabeça e olhou com a frieza costumeira a carruagem desaparecer em meio à tempestade que caia com vontade castigando o solo seco daquela escura e silenciosa aldeia.

__Diabos! Exclamou Anna; (Nome encurtado de Annatévka Katienka), esqueci um documento importante na casa de minha irmã Ivralova, agora só poderei colocar as mãos de volta nele em agosto do ano que vem.

__Mamãe! Onde está a minha pequena Mamitka?

Gecilovra Pavlóv, a filha mais nova do casal perguntava repetidamente sobre a gatinha que a tia o havia presenteado no dia de seu aniversário, nem precisou a mãe responder, ouviu-se um miado estridente dentre ao cesto de roupas amarrotadas onde o pequeno felino fora transportado durante a fatigante viagem da família Pavlóv.

Tatienka Pavlóv era a filha mais velha do casal e estava cambaleando de sono, por isso tinha preguiça até de falar, apenas olhava para a chuva, torcendo para que parasse logo, pois não via a hora de colocar a carcaça magra e desajeitada por cima da cama.

Enquanto a chuva caía sem previsão de parada, a aldeia respirava um odor fétido que exalava dos animais que ficavam nos estábulos e se preparava para que as suas últimas luzes apagassem, já passava das dez da noite e as ruas ficavam desertas, não era uma boa hora para estar exilado com a família em um ponto escuro da aldeia.

Finalmente a chuva perdera sua força e já se tornara uma leve garoa fina, capaz ainda de encharcar as roupas de quem se atrevesse a sair para fora.

Então o Sr. Pavlóv teve uma ideia simples. Destapou o cesto e enfiou as mãos para retirar um lençol, julgando este ser eficiente para cobrir a cabeça das filhas Gecilovra e Tatienka, porém havia se esquecido de que a gatinha Mamitka estava ali secretamente enrolada e levou uma feroz arranhada.

__Ai! Ai! Gritou, fazendo uma cara feia.

__O que foi? Perguntou Anna, assustada.

__Maldito felino! Espero que tenha apetite por ratos, caso contrário, irá padecer de fome.

Na mesma hora passou um filme na cabeça de Gesmóv Pavlóv. O velho vivia distante da realidade, quase sempre acometido por ideias obsessivas, fingia não se lembrar das coisas importantes e quase sempre as ignorava.

Viu-se num cenário vicioso, o coração parecia querer sair pela boca, corou a face e deixou o ódio extravasar em meio aos evasivos e desconcertantes pensamentos. Quando se deu por conta, suas mãos sedentas por justiça atingiram com gosto o pescoço de Mamitka, chegando quase a estrangular o animalzinho sem nenhum sentimento de remorso.

Tentando disfarçar a sua trama diabólica em que seu espírito estava acometido, o velho tentou tapar o focinho do bichano não deixando que nenhum miado escapasse das narinas do animal indefeso, que por sorte do destino conseguiu se desvencilhar das mãos do maldito déspota e desapareceu por hora em meio as ruas escuras que cortavam a aldeia.

Gesmóv Pavlóv sofria de um surto psicótico que aturdia seu espírito o levando quase sempre às trevas interiores, não conseguia se livrar de seu passado obscuro e sua alma adoecia cada vez mais com o passar do tempo.

Ao retomar a consciência, Pavlóv sacou que a esposa o fitava com desconfiança; desistiu de vingar o gato, pensando consigo mesmo, "isso não vai ficar assim", pois sabia que mais cedo ou mais tarde o pequeno animalzinho apareceria de repente.

Demorava a encontrar o trapo de roupa, suspirou com força e desistiu de proteger as filhas, caminhando com raiva na fina e gelada garoa que caía sobre a Aldeia. Quando chegara a sua casa, já se passava das onze horas e comentava com Anna que havia se arrependido em ter passado o final de semana na casa da cunhada.

As Vítimas de BoteroOnde as histórias ganham vida. Descobre agora