Capítulo IV - Dr. Miller: Sonho Estranho

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Eram seis e quarenta da manhã, eu estava em casa deitado, nu com uma desconhecida de quem sequer lembrava o nome. Lá no bar, após algumas doses de um uísque vagabundo, me pareceu uma boa ideia levar aquela mulher para casa e ter uma noite de prazer, agora, sóbrio e com a cabeça querendo explodir, descobri que não a queria ali nem por um minuto. Tentei acordar visitante, mas tudo que ela fez foi gemer, me chamar de Michael e virar para o outro lado. Concluí que aquele deveria ser o nome gravado na parte interna da grossa aliança dourada que ornava sua mão esquerda, um detalhe que passara despercebido na noite anterior.

Eu não conseguia dormir, como sempre, o sono se negava a vir, eu olhava para o teto, atento ao movimento das pás do ventilador que minha ex-mulher havia escolhido. Tudo ali me fazia lembrar de momentos ao lado dela, ainda era estranho chegar em casa e não encontrá-la e todas as noites eu me perguntava como teria sido se não tivesse me dedicado tanto ao trabalho e dado maior atenção a ela e nosso sonho de ser uma família. Minha obsessão pela medicina me separou da única mulher que amei e com quem desejava partilhar minha vida, então, noite após noite eu buscava refúgio na bebida e mulheres fúteis, cometendo novos erros para tentar esquecer dos antigos.

Continuei lamentando meu passado e as várias escolhas erradas deitado, fedendo a bebida barata até que recebi uma mensagem no telefone celular, vinha do setor de urgência do hospital, eu estava de sobreaviso até as oito da manhã daquela sexta-feira e como já tinha advertências por ignorar outros chamados, não poderia fazê-lo novamente, por mais que quisesse largar tudo ainda tinha contas para pagar.

Fui até o banheiro, me espantei ao ver-me no espelho, barba por fazer, olheiras e os cabelos precisando de um corte urgente, eu parecia ter uns dez anos além da minha idade real. Tomei um banho rápido, comi um pedaço de pizza que estava na geladeira a dias, peguei minhas chaves no criado mudo e parti deixando a mulher trancada em minha casa, tinha certeza que voltaria antes que ela acordasse.

Ao chegar, fui informado pela enfermeira de plantão que um paciente de 47 anos dera entrada com uma lesão por mordedura na perna esquerda, que segundo seu relato, aconteceu quando procurava por seu cão na mata que ficava nas proximidades do hospital.

De acordo com o prontuário, seu quadro evoluiu rapidamente com elevação da temperatura, cefaleia intensa, náusea, perda de sensibilidade e fraqueza no membro ferido. Sintomas de raiva humana mas a velocidade do surgimento das manifestações clínicas era espantosa, deveria levar de dois a quatro dias e não minutos como o relatado.

Fui ver o paciente após assinar o pedido do exame de imunofluorescência direta para confirmação laboratorial e pedir à enfermeira que preparasse a notificação para os órgãos governamentais de saúde.

Ele estava no isolamento, não conseguia me responder, falava frases desconexas e tinha espasmos musculares, apresentava uma grande hemorragia subconjuntival, nariz e lábios estavam sofrendo necrose, sangramento nas gengivas e acentuada queda de cabelos. Era um caso espantoso, incomum. Pensei na hipótese de uma imunodeficiência prévia como facilitadora dos surgimentos daqueles sintomas tão agudos.

Fui para o quarto de descanso dos médicos enquanto aguardava a conclusão dos exames, pesquisei sobre o assunto em diversas publicações eletrônicas e não encontrei quadro semelhante, suspeitava de uma combinação da raiva com uma patologia preexistente ou estava diante do surgimento de uma nova e assustadora doença.

Aos poucos a leitura e o cansaço me conduziram ao sono, adormeci sentado e tive um sonho estranho onde voltava para casa e encontrava a mulher do bar deitada sobre minha cama em estado de decomposição, os lençóis manchados de sangue e vermes espalhados por toda o leito, mas mesmo morta, ela se virava para mim, sem olhos e gritava. Acordei assustado, mas os gritos continuavam. Fui até a porta e ao abri-la me deparei com uma cena irreal, era como se aquele sonho estivesse continuando ali, na vida real, o paciente que a pouco estava completamente debilitado estava atacando a recepcionista, acompanhado da enfermeira e do rapaz do laboratório que se viraram, também tinha derrame ocular, muito sangue em suas bocas. Fiquei paralisado enquanto eles começaram uma sinistra caminhada claudicante em minha direção.

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ZUMBISWhere stories live. Discover now