Capítulo 17 - Lembranças

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Estava escuro. Sua mente girava e ela se perguntava se ainda tinha alguma chance de viver. Desde que saíra a força de sua casa, fora jogada naquela sala escura e imunda. Apesar de não poder ver nada, podia sentir o cheiro de lixo em algum lugar por ali. Sua maior parte do tempo era usada para chorar, ou por relembrar os tempos bons e felizes que não voltariam, ou por relembrar os momentos terríveis que antecederam àquela sala. Sentia fome mas não importava para ela. A sua maior dor não era a do estômago, que parecia estar a digerindo de dentro para fora, mas a de seu coração, por agora estar sozinha, abandonada e a mercê daquele que matou as pessoas que mais amava no mundo, e que a amavam acima de tudo.

Quando não estava chorando, estava dormindo. Mas agora nem isso ela queria mais fazer, pois os pesadelos a perseguiam a cada piscada de olho. Os sonhos eram parecidos com sua vida agora. Começavam bons, mas em seguida, algo horrível acontecia e ela voltava àquele quarto vendo novamente a cena que nunca esqueceria.

Uma vez por dia, a porta era aberta minimamente, e um prato escasso de comida era ali deixado. Ela esperava a porta se fechar, e também mais algum tempo depois disso. Depois, seguia em direção ao prato, e o comia avidamente. Sabia que o próximo seria apenas dali a muito tempo. Mas ela não queria dar a quem quer que seja a satisfação de vê-la comendo qualquer porcaria que a davam como se fosse sua última refeição. Seus pais lhe ensinaram a importância do orgulho em certas circunstâncias, mas até isso ela estava perdendo, após tanto tempo ali.

Desculpe por ser tão fraca, papai, mamãe. Mas já estou tanto tempo aqui que me pergunto quando que vão me matar para que eu me junte logo à vocês.

De repente, ouviu um estrondo no piso de cima. Parecia vir de todas as direções, mas ela sabia que era na casa, que era acima de onde estava. Mesmo sendo pequena e tendo passado muito tempo lá embaixo, ela ainda se lembrava de quando tinha chegado lá, amarrada e vendada, e lembrou de que seu carrasco disse ao homem que a trancara para colocá-la no piso de baixo. Mesmo que não tivesse prestado atenção em suas palavras, lembrou-se da sensação de estar sendo levada em uma rampa que descia. Ela olhou para cima, não vendo nada, como de costume. Pensou ter ouvido passos duros, o que era comum naquela casa onde quase sempre os homens que nela trabalhavam sempre tinham algum assunto importante a tratar com rapidez ou que dera errado.

Após esses passos cessarem, outro estrondo. Ela estava com medo, não sabia o que era aquilo e não gostava da novidade.

Será que vocês me ouviram e em breve me juntarei a vocês, papai?

Isso continuou por um tempo, e cada vez mais o estrondo era alto. E então, vários estrondos se juntaram ao mesmo tempo, por alguns minutos. Ela então entendeu.

Tiros.

Ela odiava aquele som. O que antes era uma lembrança de seu pai caçando, era agora o som que marcara o fim de sua vida como ela conhecia, e o começo daquele inferno.
Tapou os ouvidos não querendo ouvir mais nada.

Vão embora. Vão embora. Vão embora.
Me levem de qualquer jeito, mas não do mesmo modo como levaram meus pais, seus monstros.

Por vários minutos aqueles sons permaneceram. Até que foram diminuindo. Ela queria que aquilo acabasse e tudo voltasse a ser como antes, o silêncio ensurdecedor e apavorante, mas reconfortante, já que era a única certeza que ela poderia ter em cada dia de sua vida: que ele sempre estaria com ela ali, em todos os momentos.

Como por mágica, os tiros cessaram após um tempo. Ela tentava ouvir o que estava acontecendo, mas estava tudo muito quieto como antes. Ouvia passos lá em cima, para lá e pra cá, em várias direções. Queria saber o que estava acontecendo mas ao mesmo tempo temia o que poderia acontecer. Resolveu ignorar tudo aquilo e permanecer na ignorância. Voltou a se lamentar, relembrando seus pais. Então ouviu um esbarrão na porta. Depois outro. Alguém estava tentando arromba-la.

O medo a dominou. Este com certeza seria seu fim. Já estava tão cansada daquilo tudo que nem medo sentiu mais quando pensou que era a sua hora. Sentiu alívio, daquele pesadelo estar acabando. O barulho cessou, e então ela ouviu a trinca abrindo. Destrancaram a porta. Ela foi aberta devagar, a luz de cima penetrando aos poucos no ambiente, onde estava aberto.

- Thayla?

Ela reconhecia aquela voz de algum lugar bem distante, mas não reagiu.

O homem entrou, devagar. Usava óculos escuros, e um terno com a parte de cima parcialmente destruído. A manga tinha sido rasgada para enfaixar o braço ferido por um longo corte. Nas duas laterais de seu corpo, via sangue em abundância, embora o lado direito tivesse mais. Ao reparar nisso, ela se encolheu. Ele olhou para os lados e ela não sabia se ele via algo graças a luz de fora.

- Não tenha medo, não vou lhe machucar - ele disse enquanto colocava devagar sua arma no chão. Após isso deu dois passos para trás com as mãos para cima. - Eu vim para lhe salvar. Não vou te fazer mal.

Ela ainda estava decidindo se iria confiar nele ou não. Ele falava de modo calmo com ela, mas o sangue em suas roupas a assustava.

- Está machucado? - ela perguntou baixinho.

Ele olhou em sua direção e ela pode ver ele sorrir um pouco.

- Sim, mas não se preocupe. Eu não irei morrer por isso.

- Não estava preocupada, só queria saber.

Ela falava baixo esperando que ele não a ouvisse. Não sabia se ele era uma boa pessoa ou não. Ele riu do que ela disse, e se ajoelhou no chão.

- Bem, você deixaria eu dar uma olhada em você?

- Não.

- Entendo. Mas e te levar embora daqui, você deixaria?

Lágrimas transbordaram por seus olhos. Ela não esperava essa reação dela mesma. Não conseguia mais se imaginar em qualquer lugar a não ser ali, encolhida, escondida, chorando. Ao ouvir isso imaginou tantas cenas que não conseguia processar todas. O céu azul, um jardim, um parquinho, crianças, doces. Tudo aquilo que estava no mundo lá fora, coisas que ela gostava tanto mas estavam fora de seu alcance. Do mesmo modo que a alegria de um sentimento desconhecido que ela estava sentindo brotava em seu ser, a insegurança e o medo, velhos conhecidos dela surgiam em seu coração. E se ele estivesse mentindo? Ou a levando para uma prisão diferente, ou mesmo para onde ela seria morta? Ela ainda tinha dúvidas. Mas se lembrou de como iria tirá-las.

- Eu gosto de cookies com chocolate.

Ela não imaginava, mas ele sabia o porque dela dizer isso.

- Eu também. Ainda mais em um dia de frio, com eles bem quentinhos, vendo o céu e dividindo com quem eu mais gosto.

Ela sorriu. Decidiu que ele era de confiança. Ela iria confiar nele.

E até hoje ela faz isso.

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⏰ Last updated: Mar 15, 2016 ⏰

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