Prólogo - Sanatório Sta. Lucy

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- Estarei aqui para assistir, então. Clamo pelo seu sucesso, espírito perdido. Então... - olhou-a e estreitou seus olhos felinos - queime tudo.

***

- Detetive?

Com mais uma tragada de seu cigarro, Caleb Gracês olhou para cima, encarando o jovem à sua frente com seus pés sobre a mesa de seu pequeno e monótono escritório. O cheiro da droga que carregava entre os lábios era incômodo para o seu parceiro que ali estava de pé, o mesmo o encarava com um tom de reprovação e franzia suas sobrancelhas escuras. Caleb soltou um suspiro, fazendo com que mais da fumaça tóxica lhe escapasse pelos lábios e apagou seu cigarro no velho cinzeiro que ficava em sua mesa.

- O que houve, Luca? Está com uma expressão mais azeda que o normal.

- É "Lucas", senhor. Lucas Bandeira. - Corrigiu-o, arrumando os óculos no rosto. O terno que vestia estava perfeitamente alinhado ao seu corpo e os cabelos escuros arrumados, fazendo com que uma comparação entre ele e o seu superior fosse inevitável. Caleb parecia totalmente desgrenhado ao usar aquele velho sobretudo marrom, a barba mal-feita e os cabelos castanhos bagunçados batendo em seu pescoço. Ele deveria se portar melhor, pensou Lucas.

- O "s" faz alguma diferença?

- Sinceramente? Sim, muita diferença.

- O que você quer? Amolar-me? Minha vida já faz isso por si só, então se não tem nada a fazer aqui...

- Queria saber sobre o caso que pegamos. Ele ainda está em andamento, certo?

Caleb pegou um envelope marrom que estava perto de seus próprios calçados tamanho 39, estendendo-o para Lucas. O rapaz o pegou e abriu-o, tirando de lá alguns documentos e analisando-os rapidamente. Alternou seu olhar para a figura de Caleb, ainda apreensivo.

- O senhor está bem, detetive?

- Estou ótimo, por isso estou me entupindo de cigarros.

- Talvez isso leve à falência de seus pulmões, sabe...

- Parece que a morte não é lá uma opção muito ruim na minha situação. - Ele jogou a cabeça para trás, cobrindo o rosto com uma mão e grunhindo. - Minha ex-mulher não quer que eu veja minha filha, meu apartamento está caindo aos pedaços e acabei por atrasar o aluguel.

- Está com barba por fazer e suas roupas nem ao menos parecem passadas, senhor.

- Obrigado por notar, querida. Quer arrumar minha gravata também?

Lucas se forçou a não revirar os olhos e manter seu profissionalismo, devolvendo o envelope à mesa.

- Parece ser um caso comum. - Comentou. - Poderia fazer um resumo para mim?

Caleb se sentou corretamente e apoiou seus cotovelos na mesa. Pegou um pequeno elástico que sempre ficava em seu pulso e prendeu seus cabelos, ainda pensante.

- Deixe-me ver... quem me ligou para que a investigação fosse executada foi Mary Brown, presumo que já ouviu falar dela, não é?

- Ela é uma advogada importante e esposa de Henry Brown, um dos diretores de um grande hospital da cidade.

- Sim, exatamente. Sua sobrinha, Emma Brown, estava desaparecida já faz dois dias, mas foi localizada hoje no Sanatório Sta. Lucy. Ela bateu nas portas daquele lugar notavelmente ferida e fragilizada. Agora você me pergunta: "Oh, sábio senhor Caleb, ela já foi encontrada, não há mais nada a se fazer, não é?". - Lucas respirou fundo para não perder a paciência. Nunca, na Terra, ele falaria daquela forma. - Pois eu te respondo: os pais dela e sua irmã caçula também haviam sumido junto com ela mas, ao contrário da garota, eles não reapareceram. Temos investigar o que aconteceu com eles, onde estão, por que Emma estava ferida e foi parar naquele Sanatório. Essa garota tem que voltar para casa, caso contrário, o Sanatório irá se tornar o seu novo lar, e eu não acho que isso a agradaria muito.

- Não será fácil. O senhor a verá logo?

- Estou indo hoje mesmo, já que não tenho nada para fazer além de me remoer com minha vida horrível.

- Não seja dramático, senhor.

- Você investiga o histórico dos pais dela, - ele se levantou e se espreguiçou, colocando suas mãos nos bolsos - e eu vou encontrá-la no Sta. Lucy. Conto com você.

Lucas assentiu seriamente.

- Sim, senhor.

Caleb saiu do seu pequeno escritório particular, descendo as escadas do prédio em que ele residia e quase se espremendo no apertado corredor, indo para fora e tomando um grande gole de ar fresco. Olhou para o trânsito movimentado, sentindo o cheiro da fumaça dos carros da rua, tão sufocante quanto era o de seus cigarros. A cidade grande era demais para ele, e toda essa agitação não era o que ele realmente desejava. Viver com sua pequena filha em uma grande casa no interior era o que ele realmente almejava, ou somente se mudar para um lugar mais calmo que aquele. Mas ele não possuía dinheiro o suficiente para comprar uma casa e o até o restante que sobrara para seus cigarros logo esgotaria, já que o preço deles aumentava cada vez mais. Mas ele não conseguiria largar aquele vício sozinho e da noite para o dia. "É como comprar veneno por um preço caro e se matar aos poucos", diria Lucas a ele.

Aquele garoto realmente se importa?, pensou, suspirando e estremecendo dentro de seu casaco. Mesmo que vestisse ele, o frio parecia cortá-lo como navalha, Ele tem sua própria vida para cuidar.

Seu jovem parceiro havia se juntado a ele por conta de uma indicação de um amigo e ex-chefe. Sr. Thompson, um profissional confiável e a única pessoa que manteve contato desde que deixara de ser um policial e trabalhar em uma delegacia. Se não fosse uma recomendação de Thompson, presumo que não aceitaria.

Ele estendeu sua mão para o lado com a intenção de parar um táxi. O veículo amarelo berrante parou ao seu lado e ele entrou, fechando a porta com um baque surdo.

- Para o Sanatório Sta. Lucy, por favor.

O motorista careca olhou para Caleb pelo espelho do retrovisor, mascando um chiclete e fazendo uma bola com o conteúdo rosa. Concordou e virou seu olhar para frente.

- Claro, chefia.

Exatos vinte e cinco minutos depois, o táxi parou de frente ao Sanatório Santa Lucy. O edifício largo que se estendia à sua frente não era tão perturbador quanto imaginou que seria, a estrutura parecia recente e não era como retratado em filmes de terror. Sem gritos, nada de musgo incrustado pelas paredes ou janelas quebradas, era totalmente normal. Fala sério, Caleb. Aquilo tudo é ficção, coisas como casas mal assombradas não existem.

Ele estava ansioso e agitado, mas tentou manter sua calma e não transparecer nada daquilo. Acalme-se, você vai interrogar uma criança, não um serial killer.

Foi até a porta e não avistou nenhum segurança, então bateu nela algumas vezes e esperou. Ninguém viera lhe receber então, estressado, esmurrou a porta repetidas vezes sem parar até ela ser aberta, quase acertando o rosto da pessoa que o atendera. Era um homem alto e rosto gentil, e ele observou Caleb com um sorriso mesmo estranhando-o.

- Pois não? Como posso ajudá-lo?

Ele mostrou seu distintivo e abriu o melhor sorriso amigável que possuía, o que já era algo difícil.

- Sou o detetive Caleb Gracês, vim fazer uma visita a uma de suas pacientes, Emma Brown. Será que posso entrar para conversar um pouco, senhor?

O Caso de Emma BrownWhere stories live. Discover now