- Vai ser melhor se você ver com os seus próprios olhos. – declarou, num ultimato. Desisti e concordei.

- Agora se esforce em ficar melhor e sair logo dessa cama. – afirmou, levantando-se. Eu segurei seu braço.

- Você já vai? – indaguei, internamente implorando para que ele ficasse. Acho que ele entendeu ou escutou meu pedido de alguma forma, porque ele sorriu, se inclinou e me deu um beijo na testa.

- Eu vou estar por perto.

Então ele saiu.

Me ajeitei na cama e voltei a deitar, a cabeça girando em torno de tudo aquilo. Não tinha sido muito do que eu esperava. Entre voltas e voltas, ele não havia me dito nada de concreto. Só que ele aparentemente era algum tipo de assassino que não envelhecia e que forjara a própria morte de algum jeito.

E o pior é que tudo parecia mais confuso agora do que estivera momentos atrás. Théo não parecia totalmente sincero enquanto me contava o pouco que se dispôs a dizer. Eu queria confiar, mas ainda assim estava com um pé atrás, sem saber o que pensar.

Pela primeira vez, desejei que a minha vida não se parecesse com um livro de ficção como vinha acontecendo. A realidade era muito mais segura.

Lá fora, ouvi um latido. Foi a última coisa que escutei antes de dormir de novo.

Cumpri minha parte e me esforcei em melhorar nos dias que se seguiram.

Todo dia, eu só pensava em sair daquela cama, ainda que minha mãe dissesse que eu talvez não ficasse boa o bastante pra poder voltar à escola ainda naquela semana. Meus pés estavam cicatrizando num ritmo lento, e tentar colocá-los no chão era uma tarefa árdua e dolorida.

Keyla passava em casa todos os dias pra me passar a matéria perdida e me ajudar com a lição de casa. Embora eu realmente agradecesse por fazer aquilo por mim – caso contrário eu definitivamente repetiria o segundo colegial antes mesmo do fim do segundo bimestre – tudo o que eu queria era que pudéssemos sentar e conversar sobre tudo o que vinha acontecendo comigo.

O único problema era que eu não podia. Eu queria desesperadamente compartilhar aquele fardo com alguém, porque a cada dia ele apenas ficava mais pesado, e não mais leve, como acreditei que viria a acontecer. Mas como eu podia contar a ela, mesmo sendo minha melhor amiga, e certamente a pessoa mais honesta em todos os sentidos que eu conhecia no mundo, tudo o que estava acontecendo? Não era um segredo meu pra ser partilhado.

Pensar não me ajudava em nada, e era tudo o que eu podia fazer. Théo não veio mais me ver nos dias que se passaram, mas eu sentia que ele estava presente de alguma forma, me vigiando como prometera. Fazia as coisas ficarem menos tensas saber que ele estava por perto, ainda que eu não pudesse vê-lo. Se eu ao menos pudesse sair daquela cama...

Consegui dar passos lentos e arrastados lá pela quarta-feira daquela semana. Meus pés estavam definitivamente melhores – embora ainda enfaixados – e eu agora me sentia cansada de ficar tanto tempo parada. Minha teimosia me fez andar pela casa toda ainda naquele dia, tentando ao máximo me acostumar com a dor. Já não agüentava mais ficar em casa.

Os dias se passaram naquele mesmo ritmo chato e constante demais pro meu gosto. Era uma pena que o tempo custasse a passar justamente quando eu mais queria que ele acelerasse.

Segunda-feira, finalmente, eu estava livre para ir à escola.

Não a pé, é claro. Loren nos levou, a mim e a Keyla, para a escola no seu Ford Ka ano 2002, que mal comportava nós três sem reclamar. Ela era apaixonada pelo carro, por mais que eu dissesse que ele já devia estar a caminho da aposentadoria.

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