Parte - 18

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Gamma se viu cercada de pequenos aracnídeos que, em poucos segundos, haviam forrado o chão. Mas à medida que os segundos passavam ela notava que as aranhas não possuíam sempre o mesmo tamanho e forma, elas estavam crescendo, se tornando verdadeiros monstros sob seus pés.

Ela tentou manter a calma, sabia que aquilo era ilusão, muito bem-feita, diga-se de passagem, mas nada mais que uma ilusão. O problema é que Gamma possuía pavor de aranhas, e por um motivo muito peculiar. Havia sido por causa de uma aranha que ela fora muito precocemente para as máquinas de processamento.

Ela devia ter por volta de seus sete anos, talvez oito. Ela se lembra do berçário, da ala de convivência, dormitórios, salas de jogos... Naquele tempo a vida era muito simples, simples até demais.

Ela se lembrava da rotina, todo dia a mesma coisa. Ela vestia sua toga branca, iam ao "santuário", que nada mais era do que uma espécie de amplo salão com um altar decorado com desenhos e imagens que faziam alusão à tecnologia, linguagem de programação e a adoração à máquina.

Ela ia todos os dias, em fila indiana, até o centro do salão, e entoava os cânticos de louvor à entidade máxima.

Ela fazia parte do coro que adorava o Deus Ex Machina. A máquina santa, que projetou o universo, criou o homem e o aprisionou entre aquelas paredes. E nada além do que ela podia ver existia. O mundo dela se resumia àquele lugar. Nada existia além daquilo, como insistiam em explicar os "sacerdotes" da máquina.

"Eles" ensinavam todos os dias, que o homem se separara da máquina e, por isso, padecia da graça do saber absoluto e da onisciência e da onipresença que só eram possíveis na rede.

O único modo de pagar o pecado do homem em ter se separado da máquina era se preparar físico e mentalmente para a apoteose: a recompensa máxima dada aos súditos fiéis que servissem bem Ex Machina. A recompensa era subir para os andares superiores do complexo junto dos sacerdotes e se unir à máquina para serem apenas um corpo.

E essa estranha fé, enfiada goela abaixo de todas as crianças assim que aprendiam a falar, tinha apenas três regras:

1). Nunca pergunte o que não lhe foi explicado.

2). Nunca questione o que lhe foi explicado.

3) E nunca cometa a heresia de duvidar do que lhe foi explicado.

O dogma máximo era entoado pelos "sacerdotes", que sempre ensinaram que não existia nada além daquelas paredes que os cercavam, que não havia nada, nada mesmo.

O mundo era somente aquilo ali, somente o que os olhos podiam ver.

— "Eu tomo os limites de meu próprio campo de visão como os limites do mundo". — Gamma disse pausadamente para si mesma enquanto percorria o flashback em sua cabeça.

— Schopenhauer... Foi Schopenhauer que escreveu isso? É a mais pura verdade...

Por que será que essa frase do filósofo brotara assim do nada de seu banco de memórias? O banco no qual ela vira ou processara, em seus longos e dolorosos anos aprisionada como um "processador", quase toda informação que havia no mundo. Era uma espécie de enciclopédia Barsa ambulante, educada para ser uma cobaia.

Seu dia a dia durante toda a vida possuía exercícios sociais e tarefas que despertavam toda sorte de emoções. Ela experimentava a aceitação, logo em seguida a rejeição, e a seguir o medo seguido da segurança... Sua mente era exercitada o tempo todo, esperando apenas o dia em que viesse a fazer a única coisa que decretaria sua sentença: o dia em que ela fizesse a primeira pergunta genuinamente filosófica e quebrasse uma das três sagradas regras. E como se fosse hoje, ela se viu imersa dentro daquele flashback no dia fatídico.

PSI Evolution - Vencedor do Wattys 2016Onde as histórias ganham vida. Descobre agora