1 ▪ 2920 dias antes

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- É Marshall. - tratou de corrigir, mas Charlotte (seu nome de batismo até onde sabia) apenas deu um aceno de descaso. - Qual o problema?

- Estou começando a crer que esse banheiro está acumulando muita imoralidade. - ela comentou, mordendo a unha do polegar enquanto deixava escapar um sorriso. Marshall apenas franziu as sobrancelhas e tentou extrair algum significado daquilo, o que fez a loira rir com cumplicidade. - Estou desconfiando que você estava tendo um orgasmo, há menos de três minutos, enquanto passava essa bucha contra o mármore do vaso sanitário, o que, só para constar, não acho muito adequado para o horário nobre.

Marshall piscou e, sentindo o rímel grudar os cílios por um segundo, pôde sentir suas bochechas esquentarem pelo comentário, o que a deixou levemente constrangida. Ela odiava o rubor crescente que se espalhava por seu rosto, porque isso apenas acentuava a coloração quente dos seus fios rebeldes. Ainda assim, o embaraço gratuito promovido pela sua afirmação proposital apenas pareceu entreter Charlotte.

E, embora Marshall não quisesse admitir, ela podia sentir uma parcela de culpa pela constatação. Talvez ela pudesse associar um orgasmo cerebral com a sensação de limpeza, o box cristalino, as paredes reluzentes, o cheiro cítrico do banheiro... Ela não poderia imaginar uma situação perfeita que não envolvesse álcool e gel e um forte sentimento de proteção antibacteriana: quase podia se visualizar sentada em sua cama, com os pés dobrados embaixo do corpo, em um anoitecer de outono, enquanto uma chuva pesada caía do lado de fora. Enquanto fechava os olhos pelo cansaço, escutava, ao longe, um som gentilmente assoprado dentro de seus ouvidos. Um sussurro, intimamente exalando uma respiração cadenciada, causando um arrepio que corria do topo da sua cabeça até as dobras da sua coluna, anunciando com deleite: "a casa está limpa". Sua reação variava. Ora um prazer físico intenso, ora um quase hipnótico estado de relaxamento e felicidade, ora um formigamento no interior e no topo da cabeça.

Talvez a questão da loucura não fosse uma realidade tão distante...

Mesmo assim, ela limitou-se a encarar Charlotte e tentar achar alguma malícia por trás da sua acusação. Ignorar a própria loucura era a coisa mais saudável a se fazer. Por mais que sua colega de quarto não tivesse a caricata de um vilão de algum filme horrível dos anos 80, era difícil não suspeitar de que havia alguma maldade no seu comentário. Ainda assim, com seus fios platinados repicados acima do ombro, o olhar perdido, o nariz afilado e a boca seca pelo sono mal dormido, Charlotte não exibia nenhuma aparência conspiratória, como John McClane em Duro de Matar, mesmo que Marshall estivesse projetando um reboot em sua mente no qual sua companheira de dormitório faria uma performance onde acabaria falando "É um banheiro bonito, srta. Sullivan. Seria uma pena sujá-lo"₁.

- O que está acontecendo aqui? - perguntou com desconfiança.

- O que? - Charlotte rebateu de volta, lançando-lhe seu olhar de paisagem típico.

Era sempre assim, Charlotte estreitava um pouco os olhos cor de mel, empinava o nariz com pompa e fingia incompreensão, mesmo que a ruiva tentasse driblar a reação distante da companheira. Se surgia um impasse, a colega de quarto tratava de vestir seu melhor traje de impessoalidade e pegava uma estrada sem desvio para a via do devaneio. Às vezes era difícil acompanhar os momentos de divagação de Charlotte, o que fazia Marshall sentir-se como se estivesse interpretando um monólogo do Jabba the Hut₂ toda vez que dirigia a palavra à amiga distraída.

Marshall raspou a garganta com desconforto e apontou a bucha para a garota a sua frente, gesticulando de uma para a outra repetidamente.

- Isso. - ela apontou para si e imediatamente para a outra, esclarecendo sua declaração. - Não sabia que isso aqui estava nesse nível.

Marshall & Mason - 2920 diasWhere stories live. Discover now