Prólogo

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Em algum lugar da Somalia 

Laura

Foram dispensados quaisquer tipos medicinais para controlar os distúrbios que desenvolvi estando acorrentada dentro de minúsculos quartos escuros. Aliás, eu nunca pude me dar ao luxo de tê-los por aqui. Neste momento, posso ouvir com bastante clareza zumbidos incomuns que estão me perseguido e se instalado permanentemente dentro dos meus ouvidos. Talvez seja resultado dos barulhos pavorosos de bombas, devido a guerras civis movidas, principalmente por conflitos religiosos. Tais conflitos já estão impregnados neste país há muitos anos. Meio milhão de pessoas já foram mortas na Somália e hoje estou aqui, escondida e esperando fazer parte desse numero. Esperando, talvez, me tornar mais um caso que vai se misturar com a poeira e evaporar em meio aos mortos. Já me tornei apenas mais uma estatística.

Meu coração já não bate regularmente há meses e essa sensação de morte iminente me apavora à cada maldito dia.

Não faço ideia de onde ou com quem exatamente estou, já que meus captores estão sempre escondidos atrás de lenços escuros que cobrem seus rostos. Eles saem comigo sempre na calada da noite e eu também nunca estou diferente, tornando-se impossível ver quem, ou, o que, cada um de nós somos, assim passando despercebida em qualquer lugar que me levem.

Meus cabelos castanhos e longos, estão escondidos dentro de uma abaya - uma peça grossa de cetim que cobre meu rosto e, a única coisa que é revelada, discretamente, são os meus olhos castanhos e extremamente cansados.

O que era para ser quinze dias de reportagens sobre as novas gerações somalis nascidas em meio ao conflito mediantes motivaçoes religiosas, se transformaram em meses de angústias e incertezas. Era para ser a reportagem do ano. A realização profissional de um verdadeiro jornalista de guerra.

O jornalista, amigo e fotógrafo que me acompanhou nesta viagem, está preso comigo. No entanto, ficamos em lugares separamos. Ele se chama Christian e, assim como eu, Christian ama verdadeiramente o que faz e nossa paixão por aventuras jornalísticas, nos fez estar aqui.

A família dele tem posses e deve estar movendo o céu e terra para livrar o filho do cativeiro. Porém, não sei o motivo dele ainda não ter sido libertado. Talvez eles estejam negociando. Essas negociações são longas, visto que essa, não é a primeira vez que eles sequestram ocidentais. Confesso que nunca me imaginei como uma vítima e tudo isso parece ainda muito absurdo. Sei que eles demoram a entrar em contato com o governo e somente essa semana tive que me ajoelhar por duas vezes e passar por um momento de tortura em frente à câmera. Eles me fizeram ler uma carta que dizia coisas sobre sua religião e um pedido de clemência para que eles não cortem a minha cabeça. Foi somente ali, que pude mostrar o meu rosto. Eles querem uma quantia obscena que eu jamais conseguirei pagar.

O fato de eu não ter mais uma mãe e meu pai ser um engenheiro da marinha aposentado, não me favorece em nada se isso dependesse da minha família. Meu pai tem mal de Parkinson e outros problemas de saúde. A única coisa que devo contar é com o governo americano que, somente agora deve estar recebendo a informação de que ainda estou viva. É provável que as negociações estejam se tornando um grande fracasso.

Sempre fui a cuidadora do meu pai e para vir até aqui, tive que colocá-lo em uma clínica. Porém, ele não parecia bem quando liguei antes de ser pega por esses homens. Me pergunto diariamente se ele está sendo bem cuidado e sinto-me mal em imaginar a sua dor. Isso é o que mais me mata à cada dia estando presa neste lugar sem o mínimo de notícias. Eu o deixei em uma clínica, mas não o imagino  este tempo todo sem mim. Estou isolada do restante do mundo há muitos meses torturantes. O nosso intuito para uma grande reportagem se transformou, no fim das contas, em um grande e terrível pesadelo.

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