58: fase três

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Pergunta: quando você começou a ler o livro, como achou que seria a história?

Ana Júlia estava milimetricamente situada no ponto mais alto da linha que separa a coragem da loucura, e isso era algo fácil para Silvia constatar quando seus cabelos cheios apareceram na janela de seu quarto

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Ana Júlia estava milimetricamente situada no ponto mais alto da linha que separa a coragem da loucura, e isso era algo fácil para Silvia constatar quando seus cabelos cheios apareceram na janela de seu quarto. Não era só porque seus pais chegaram à conclusão equivocada de que a Escola Pública não era um ambiente seguro para sua filha gay que eles aceitavam o que estava acontecendo entre ela e Ana.

Mas se Ana fosse o tipo de garota que se importava com riscos, Silvia não seria o tipo de garota que se importava com Ana.

– Sua obsessão está ficando pior, nena. – ela acusou quando Silvia sorriu de lado ao ouvir o apelido carinhoso pelo qual elas se tratavam, mas sem tirar os olhos da tela do computador – Antigamente você pelo menos me olhava por mais de três segundos quando eu chegava.

– Cada segundo é precioso, nena. – ela devolveu, digitando furiosamente sabe Deus o que, e entrelaçando os dedos na frente do rosto enquanto esperava o resultado.

O display digital mostrava uma série de números e letras e símbolos incoerentes a qualquer um que não fosse Silvia, que bufava em frustração contra alguma coisa que provavelmente não estava dando certo. Ela fizera um excelente trabalho até agora, mas ainda faltava quebrar uma única senha para consolidar o destino do Professor Tomás.

– É o que eu sempre te digo, e você nunca me escuta. – Ana deu de ombros, não que Silvia fosse capaz de perceber – Cada segundo precioso que você perde na frente desse computador em vez de aproveitar o mundo real.

– Ana, realidade virtual é realidade.

Uma gargalhada em escárnio por parte de Ana provavelmente era a única coisa capaz de tirar a atenção de Silvia do código monstruoso que estava escrevendo. Ela se virou para a namorada com a testa franzida e levou o indicador aos lábios, indicando a porta do quarto com os olhos. Ah, seus pais estavam em casa, e ela não queria abusar do milagre que era eles deixarem que ela ficasse de portas fechadas para começo de conversa.

Silvia era uma apreciadora de portas fechadas desde que se entendia por gente, mas privacidade era um privilégio que lhe fora retirado desde que assumira sua sexualidade. Se não fosse a suposta surra que ela levara na Pública, fazendo com que seus pais tivessem uma extensa crise de consciência, ela nunca mais teria direito a sequer uma cortina, que dirá uma porta.

Ana Júlia tentou não se emburrar, afinal, não era culpa de Silvia. Era culpa do mundo, sei lá. De quem quer que estabeleceu a regra de que pessoas do mesmo sexo não podem se amar para começo de conversa.

– É realidade sim! – Silvia sussurrou, ajeitando os óculos sobre a ponte do nariz e virando-se de volta para o computador – Só porque você não respira, come, ou dorme não significa que você não viva.

Não Confie Nas Boas MeninasWhere stories live. Discover now