14 - Lè coffee - Parte 2

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Catarina

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O Lè Coffee estava agitado e completamente movimentado, pessoas circulando de um lado para outro, apressados, cobrando seus respectivos pedidos aos balconistas. Mas no canto, em uma mesa localizada no trajeto entre corredor e janela de vidro, estava uma ruiva sentada, serena, como se o mundo não existisse, acompanhada das pautas que ela agrupou a sua esquerda, enquanto degustava um cappuccino.  Como ela conseguia ser tão lunática assim? Meu mundo ruindo e ela saboreando cafezinho em pleno horário de trabalho? Estou cada vez mais certa que as palavras Lara e responsabilidade são antônimos. Com o sangue fervilhando de raiva, fui até a mesa em que ela se encontrava para cobrar explicações para sua falta de compromisso, se é que existia alguma explicação possível. 

Lara

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Quando finalmente consegui uma mesa vazia para me acomodar, senti um alivio extremo em meus pés. Meu corpo necessitava desta pausa de descanso.  Pode até  parecer que estou hiperbolizando tudo, mas não é. Até um mês atrás eu era só uma estudante com quase nenhuma responsabilidade além de passar nos testes; hoje não consigo parar nem para respirar, entre uma função e outra. Meus pés estão gritando por socorro, e meu corpo está ficando cada vez mais imune a cafeina. 

— Você  é realmente uma irresponsável, Lara. — uma voz soou sobre meu ombro, e meu cérebro automaticamente decodificou de quem se tratava.  Virei-me para encara-la, e pronto, ali estava ruindo meus minutos de paz, silêncio e descanso! — Acaso não recorda que te pedi para encadernar essas pautas com urgência? Qual a parte da palavra "urgência" deixou espaços para que entendesse "você pode fazer uma pausa para o café"?  —  ela disse estérica. 

— Olha Catarina, meu nome é Lara e não Isaura. Logo, isso significa que não sou sua escrava. A pausa para o café foi necessária, pois meu corpo estava implorando por um pouco de descanso. A redação não é uma senzala e você não é minha dona. Não sou uma escrava branca que a mamãe resolveu te presentear. Então senta ai e espera eu tomar a porra do meu café. —  vociferei. 

— Eu deveria contar pra sua mãe o quão irresponsável você é.  

— E por que sou? Por estar tomando um café? Ou por não ver graça no jornalismo tanto quanto você? Entenda que isso pode ser o seu sonho e eu respeito, mas não é o meu. E apesar disso, estou fazendo o máximo que posso para não ouvir minha mãe repetindo o discurso que mais ouvi da sua boca durante essa semana: que sou uma mimada que não aprendeu a criar responsabilidades. — após ouvir isso, ela sentou rendida. Não sei em exato o porquê, se pela rispidez da minha ordem outrora ou se pelo desabafo desnecessário que acabei de concluir. 

— Se  a redação não é seu sonho, então por que não busca o seu próprio e corre atrás? — essa foi a primeira vez que li nos olhos de Catarina algo além de reprovação e indiferença destinado a mim. 

— Porquê não sei qual o meu sonho. E minha família age como se ter quase 18 anos e não saber sobre qual caminho trilhar fosse um crime. Só para critério de informação, eu não sei nem ao menos decidir o que comer quando vou em um restaurante, quanto mais a área de conhecimento que devo seguir. 

— Não se sinta tão pressionada assim. A indecisão é algo normal quando temos que escolher; eu também passei por isso. 

— E como soube? Digo, como soube que era jornalismo a sua vocação?  

— Fiz um teste vocacional desses de internet e deu jornalismo. — rimos juntas. 

— Serio que você acredita nessas roubadas? — eu degustava o meu cappuccino e ria incontrolavelmente daquela revelação bombástica. 

— É claro que não! Eu já havia feito três vez antes, na primeira o resultado foi veterinária, na segunda fisioterapeuta e na terceira jornalista. Como eu não gostava das duas primeiras, acatei a terceira. É claro que não tomei o teste como uma verdade, mas eu precisava decidir de alguma maneira e então paguei para ver, entrei no curso e, quando me dei por conta, já estava respirando isso. 

— Não vou perder meu tempo com testes vocacionais.  

— Foi exatamente o que pensei. — ela sorriu como se fosse um insulto silencioso que na minha decodificação li "marrenta". 

— Para de bancar a chefe malévola e me acompanha em um cappuccino? Aposto que aquela redação não vai parar se duas meras estagiarias sumirem por meia horinha. — falei levantando e mão e fazendo sinal para que a garçonete servisse outro copo antes que ela recusasse. Pelo silencio entendi um consentimento... 

— Você lembra o que desejava ser quando criança? Todo mundo já teve um sonho como esse... Qual era o seu? — ela indagou me fazendo voltar ao tempo e buscar na memoria coisas que já estavam perdidas e engavetadas.

— Ah, tantas coisas... Cada semana eu queria ser algo diferente. Médica, bailarina, advogada, atriz... Essas profissões clichês que todas as meninas sonham ser.  Mas tinha uma profissão em especial que eu sempre admirei bastante... Professora!

— Sério? Se a matéria for marra, orgulho e grosseria você nem precisa de faculdade. — ela disse irônica, antes de ser interrompida pela garçonete que servia seu café. 

— Mas se a matéria for sobre como ser tapada, idiota e babaca, vou ter que pegar umas aulinhas com você.  — devolvi no mesmo tom.

— Mas retomando... Por que não tenta a carreira do magistério? — de longe até parecia que ela se importava.

— Acho que minhas mães querem que eu continue os negócios da família,  segundo elas o jornal é meu patrimônio. E mesmo dizendo que posso decidir, sinto que escolher algo diferente disso seria comprar uma briga. Elas me dão a falsa sensação de escolha para que não pareça que é uma obrigação, mas se eu falar que quero ser professora, elas vão rir e indagar: "fala serio, ser professora no Brasil?" — ela riu outra vez. Acho que apesar das nossas intrigas, poder conversar sobre isso com alguém me deixava aliviada. 

— Caralho, com todo o seu drama-adolescente de garota confusa, esqueci completamente as horas. Preciso levar essas pautas urgente, ou serei uma estagiaria morta. — ela disse extremamente apressada segurando seu café em uma mão e enfileirando as pastas para toma-las em seus braços. 

Antes que pudêssemos pedir a conta, a Elisa, nossa supervisora, entrou como um raio naquela cafeteria, ao lado de Ian, e veio caminhando em nossa direção com uma expressão de causar pavor. Em uníssono Catarina e eu afirmamos "ferrou". Levantei com as pernas trêmulas e encarei de frente o show de lição de moral que estava por vir. Vi ao meu lado uma Catarina nervosa e como se eu já tivesse lido a cena antes de acontecer, fechei meus olhos para não ver o café que estava nas mãos de Catarina caindo sobre todas aquelas pautas. Caramba, outra vez não! Derrubar café nas coisas mais improváveis já estava virando a marca registrada de Catarina.

— Catarina Vidonni, me diga por favor que essas não são as pautas que te pedi cerca de duas hora atrás? — Elisa reprovou vociferando, fazendo minhas pernas tremerem o dobro de antes. 

Eu li medo na expressão de Catarina, como se fosse uma presa encurralada e sem saída. E antes que eu tivesse tempo para assumir a culpa, ela se adiantou e disse: —  Srt Elisa, foi tudo culpa dessa irresponsável. — e lá havia ido embora nosso momento de paz! Agora a guerra estava declarada. Ela é tapada o suficiente para derrubar café em tudo e eu sou a culpada?  Me poupe!

L a r a - [ROMANCE LÉSBICO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora