07. Bilhetes de Geladeira

634 86 32
                                    

Felipe estava com os olhos fixados na tela do computador, acompanhando o cursor se movimentando para lá e para cá à medida que movia o mouse em movimentos descoordenados, o que combinava perfeitamente com sua cabeça naquele momento.  Depois de uma noite mal dormida no sofá, se concentrar no trabalho se mostrava ser uma tarefa difícil, mesmo com o relógio acusando nove e cinco da manhã. Suas costas doíam de tanto se revirar no sofá, pensando no que havia acontecido na noite anterior. As ofensas trocadas com Paula, o olhar de decepção de Edu, o sentimento de não conseguir tomar as rédeas da própria vida e de pensar sobre o futuro sem aquela pressão excruciante. De repente, sentiu falta do Felipe de alguns meses atrás, ainda em São Valentim, onde nada daquilo parecia importar.

Sentiu a superfície áspera, seca e irregular da bolinha de papel bater em sua cabeça, o que lhe tirou do transe para procurar o responsável, mesmo que já soubesse quem era.

— Eu não sabia que você era tão fraco pra bebida. Da próxima vez que a gente sair junto, vou me certificar que a única coisa que vá encher seu copo seja totalmente livre de qualquer teor alcoólico. — Caio caçoou, o olhar divertido, em contraste com o semblante derrotado de Felipe.
— Quem dera que isso fosse ressaca.
— O que é, então? — Caio se mexeu na cadeira, perguntando com a voz baixa.
— Fiz a besteira de tirar satisfação com minha mãe, e acabei me atrasando pro jantar lá de casa. Quando eu cheguei, já tinha acabado. Edu ficou chateado, e com razão. Eu havia prometido que estaria lá.
— Eu até tentei te impedir de sair daquele jeito ontem, mas você não me ouviu.
— Eu sei. Eu não deveria ter saído da cama ontem. Teria me livrado de muita coisa.
— Bom, mas você saiu, assim como saiu hoje, e precisa entregar esse relatório para o Otávio antes do meio dia. Caso contrário, vou acabar perdendo a oportunidade de ouro que é ter meu melhor amigo como colega de trabalho, e como eu sou egoísta, não posso deixar isso acontecer.

Felipe sorriu, olhando sobre o ombro com um olhar de gratidão, antes de voltar a se concentrar em suas coisas. Caio encarou Felipe por alguns segundos, o olhar indecifrável, e então, o silêncio e a monotonia voltaram a se instalar sobre aquela manhã nublada de março.

Pouco antes do meio dia, quando havia acabado de enviar o relatório finalizado para o e-mail de Otávio, Felipe alongava os braços para cima e estralava os dedos quando seu telefone tocou. Era da recepção.

— Pois não?
— Felipe, tem uma moça que quer falar com você. Disse que é sua irmã.

Sem precisar dizer mais nada, Felipe se levantou e foi até o hall, onde Livia lhe aguardava. Seu cabelo parecia um pouco mais comprido e havia aderido a uma franja, o que, para ele, realçou ainda mais a beleza de sua irmã mais velha.

— Você não achou que eu ia embora sem te ver, né?
— Achei que tinha escapado. — Felipe brincou, sem conseguir esconder o sorriso de satisfação quando puxou Livia para um abraço apertado. — É tão bom te ver.
— Eu também senti saudades. Você fica um gatinho de roupa social. Parece quase um adulto.
— Um dia eu chego lá. — Felipe entrou na brincadeira, não deixando Livia saber que aquele assunto de fato lhe assombrava.
— Tava pensando em te resgatar para o almoço.
— Não precisa nem pedir duas vezes. Só vou pegar minhas coisas.

Felipe avisou a Caio que estava saindo para o intervalo com sua irmã, e sem demora, partiam para o Cais Embarcadero, onde pegaram uma mesa ao ar livre no Eat Kitchen, com a água cintilante do Jacuí ao fundo e com o vento dançando lentamente, anunciando o fim eminente do verão.

Livia pediu uma salada com folhas verdes, nozes, mel e queijo feta, e Felipe pediu o bom e velho frango teriyaki.

— Já avisou o pai que vocês estão indo pra São Valentim? — Felipe perguntou, depois que o garçom serviu sua água tônica com limão.
— Já. Queria vir até Porto Alegre buscar a gente, mas eu falei que não tinha necessidade. Nosso ônibus sai às 15h. Vamos chegar lá no fim da tarde.
— Acho que eu nunca imaginei falar isso, mas sinto saudade de São Valentim.
— Quem é você e o que fez com meu irmão? — Livia perguntou, incrédula, arrancando um sorriso sincero de Felipe.
— Acho que as coisas lá eram mais leves.
— Você não está se adaptando com todo esse lance de primeiro emprego e faculdade, né?
— Tá tão na cara assim?
— Na verdade, eu fui visitar a mãe hoje, mais cedo.
— E é claro que ela te contou tudo.
— Fê, eu sei que ela pode ser um pouco controladora as vezes, mas de um jeito meio esquisito de demonstrar, ela só quer o seu bem.
— Eu sei disso, Livs. Mas o problema é que ela não parou pra perguntar o que eu queria pro meu futuro. Ela simplesmente decidiu ele por mim.
— Então assume o controle de novo. É a sua vida, suas decisões.
— Você fala como se isso fosse fácil.
— Eu sei que não é. Mas viver uma vida que não é sua só vai tornar as coisas piores. Eu sei o irmão que eu tenho, e quando ele quer algo, vai até o fim. Foi assim quando você conheceu o Edu. Agora vocês tem uma vida inteira juntos pela frente. Não deixa isso escapar.
— Eu tenho medo de perder o Edu. Medo de que ele perceba que está com um zé mané que não sabe o que quer da vida, e ir embora.
— Felipe, o Edu é completamente apaixonado por você. Te deixar é a última coisa que ele faria nessa vida.
— Mas ele é tão decidido sobre todos os passos que ele precisa dar, sempre soube o que queria para o futuro, e nunca nem hesitou.
— Não acontece assim pra todo mundo, Fê. Na verdade, isso é muito raro.
— Pena que a mãe não entende isso. Eu acho que se eu pudesse simplesmente não ter toda essa pressão em cima da minha cabeça.
— Eu sei que a situação com a mãe não facilita muito, mas em vez de se desesperar e pensar no pior, usa esse seu sentimento pra redirecionar o que você quer.
— E se eu não descobrir o que eu quero?
— Você é uma das pessoas mais fodas que eu conheço, Felipe. E eu não digo isso só porque você é meu irmão. Eu tenho certeza que, quando a hora certa chegar, você vai saber exatamente o que fazer.
— E o que eu faço pra acalmar meus nervos até lá?
— Para um pouco e olha em volta. Olha onde você tá, olha com quem você tá. A vida pode não te dar as respostas na hora que você quer, mas ela te dá o caminho. E as vezes, tudo o que podemos fazer é apreciar a vista, apreciar a companhia. Quando você estiver chegando perto dos trinta, vai sentir saudade dessa época de agora. Onde tudo é tão novo e tão assustador, mas cada pequeno passo que você dá, acaba contribuindo para a vida que você quer construir. E você já tá construindo, mesmo que não perceba agora.

Os Garotos do Apartamento 13Where stories live. Discover now