Capítulo Quatro

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Helida

"Oh não, não quero acordar!"

Não após dormir como uma pedra depois que os dois comprimidos calmantes que ingeri fizeram efeito.

Estendo o braço e desligo o despertador do rádio relógio que fica no criado mudo. Já amanheceu e graças aos céus aquela música perturbadora não voltou, desde a manhã da última sexta-feira que venho acordando com um verdadeiro repertorio da Música Popular Brasileira, desde de Cassia Ellen com Segundo Sol, até Proibida pra mim, na voz de Zeca Baleiro, músicas que um dia considerei agradáveis de ouvir.

Me incomoda ainda mais lembrar que eu mesma, por diversas vezes me peguei nos últimos dias lembrando as letras de cada uma delas, seja quem for o novo vizinho, tenho que admitir, tem bom gosto para música. Eu que não tenho mais coração, ou nervos, para ouvi-las sem me partir em mil pedaços.

Sento na cama e vejo que o sol já está alto no céu, "Que horas são?"

Esfrego os olhos ainda um pouco sonolenta, ontem foi incrivelmente doloroso para mim, demorou algum tempo para os comprimidos fazerem efeito. Sei que é errado recorrer continuamente a esse tipo de medicamento, mas quando fica difícil fechar os olhos, mesmo tarde da noite, busco esse pequeno truque.

Na noite anterior, já passava das três da manhã quando, enfim, consegui entrar na minha bolha de torpor e adormeci.

— Mãe? Você está aí?

Chamo enquanto desço as escadas, não recebo resposta alguma, que estranho, meus pais nunca saem sem me avisar.

— Mãe, pai? — Oh! Que cabeça a minha, hoje é domingo, eles devem estar na igreja!

O programa deles de sempre, o mesmo que fiz por anos, porém, digamos que posso ter perdido a minha fé, não em Deus, sei que ele existe, mas deixei de acreditar que eu pudesse ser uma filha amada aos seus olhos.

Ser responsável por uma morte, não é bem o que manda a santa e amada igreja! Bem, nada posso fazer além de sentar à mesa e tomar café da manhã sozinha, como tem sido todos os domingos.

Depois de pensar um pouco vejo que só sentar e comer não é o suficiente para parar essa estranha agitação dentro de mim, talvez eu esteja desenvolvendo um novo vicio por aquelas malditas músicas matinais, então vou correr, como sempre, talvez assim a mente acalme um pouco, eu espero.

*****

Está decretado no meu livro de coisas detestáveis que odeio, odeio os domingos, é o pior dia da semana para mim, sem sombra de dúvida. Nunca há nada interessante ou complicado o suficiente para preencher meu dia, daí já viu, fico cada vez mais deprimida, tudo que eu não preciso é de tempo livre, isso significa que não estarei com minha bolha tão fundamental para me livrar da dor do momento.

Mas sei que não poderei me socializar apenas com a mobília da casa dos meus pais e meu consultório para sempre. Então, tenho que ao menos uma vez por semana encarar outras pessoas, que não sejam os pais dos meus pequenos pacientes

Olho a minha volta, com uma sensação estranha, algo não está igual. É impressão minha, ou todas as mulheres da cidade decidiram começar a correr também?

— Oi, Helida, como você está, faz algum tempo que não nos vemos, não é, querida? — Clara, uma das criaturas mais fofoqueiras de Bom Sossego, cumprimenta-me com um sorriso triste e falso, fazendo meu estômago embrulhar.

Não suporto esse olhar de pena que recebo quando resolvo sair de casa, sempre acontece a mesma coisa, por esse motivo prefiro me manter no meu casulo. Minha vontade é de ser grossa com todos por me olharem assim e perguntar se nunca me viram, mas a boa educação me vence, mesmo quando quero ignorar a todos.

Voltando À Amar - DegustaçãoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora