Conto: O Veredicto

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Ele se achava bom, ela a melhor, quis o destino que seus caminhos se cruzassem. E agora eles estão em uma encruzilhada, qual direção eles seguirão? Profissional ou sentimental.


O jovem Heitor arrumou a gola de sua camisa enquanto sua visão se prendia às pedras de gelos que boiavam em seu copo de whisky. Ele girava o pulso em círculos, o movimento fazia com que os cubos de gelos colidissem uns com os outros. O som dos impactos lhe agravada. A música que tocava no ambiente era um novo sucesso dessa primavera, 2002, ano que ficaria marcado para sempre na vida dele. Na capital, era normalmente onde tudo começava, música, moda, culinária... e logo em seguida as novidades se propagavam para o interior. Uma frente fria havia chegado para tornar aquelas semanas mais amenas e com elas normalmente havia o encontro das massas de ar quentes com as frias, o que aumentava as chances de tempestades castigarem a região. O sobretudo amontoado no mancebo era um acessório indispensável. Aquele clima logo tornaria o centro da cidade de difícil acesso. Os rios aumentavam de volume assustadoramente e muitas das ruas ficavam instransponíveis.

Heitor estava sozinho e observava os outros advogados com seus familiares conversarem entre si. Ele não estava acompanhado, mas sabia que não ficaria sozinho por muito tempo, Estefani e seu noivo Richard caminhavam em sua direção. Ele nem se importou, ela era a secretária do escritório, além de ser a melhor amiga da esposa do senhor Duarte, sócio majoritário do escritório de advocacia. Hiperativa e agitada, seu maior defeito era sempre falar mais do que o necessário. Muitas vezes uma conversa com ela significava: Estefani falando com Estefani e os outros... bem os outros desempenhavam o papel de meros expectadores. Richard, seu noivo e professor de química, por outro lado era uma pessoa mais maleável, de bom papo e sempre atualizado de todas novidades que ocorriam nas redondezas e na capital. Conversar com ele era ficar a par dos assuntos que raramente Heitor buscava nos jornais. A cara de Richard não deixava dúvidas, ele era perdidamente apaixonado por Estefani.

O casal parou ao lado dele e a conversa começou a fluir naturalmente. Estefani monopolizava o papo e de vez em quando Richard dava uma pitada de seu humor negro no assunto. Heitor ficava calado na maior parte do tempo, não porque não se interessava pelo que discutiam, mas sim porque os dois não lhe davam oportunidade para falar. Em um determinado momento, Estefani mudou completamente suas atitudes e se dirigiu a Heitor com um pedido que havia se tornado usual quando se encontravam dentro do escritório.

"Heitor, você pode tomar conta do Richard para mim por uns dois minutinhos?" Ela passou os dedos pelo queixo do noivo fazendo uma carícia. "Tenho que resolver uns assuntos pendentes com o Doutor Duarte e já volto." Ela sempre se referia ao chefe pelo título de Doutor.

Duarte era um senhor de aproximadamente uns cinquenta e cinco anos, se portava sempre como um homem distinto e tratava a todos com muita educação. Normalmente era dele a palavra final nas tomadas de decisões do escritório.

"Mas até aqui ele quer lhe dar serviço? Estamos na festa de aniversário do escritório, diga para ele dar um tempo." O noivo usou um tom que trazia misturados sentimentos de repreensão e descontração.

"Não se esqueça que esta dedicação pode me trazer uma promoção em breve, mas eu vou comunicar a ele sua insatisfação com todas as horas extras que tenho feito." Ela sorriu para o noivo." Só não se esqueça que esta é uma ocasião excepcional, Gregory sofreu um acidente voltando da capital ontem e não poderá se apresentar no fórum amanhã. E não temos como adiar o julgamento, infelizmente o Doutor Duarte precisa de mim agora mais do que nunca. Tenho que deixar toda a documentação em ordem para quem for assumir o caso." Estefani piscou para o noivo e partiu. Ela exagerava no rebolado, mas parecia estar sempre muito bem vestida, com certeza acompanhava todas as revistas de moda que saiam. Hoje mesmo, ela usava um salto preto, combinando com uma saia da mesma cor, uma blusa branca e um colete azul marinho. Seu cabelo estava preso atrás da cabeça por uma presilha, dando-lhe um ar jovial. No meio do caminho Estefani se virou para trás, não falou, apenas mexeu os lábios, mas o recado foi entendido sem dificuldades pelo noivo. "Eu te amo, não vou demorar, vê se não foge, tá."

12 Contos de tirar o fôlegoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora