JUNTANDO OS PEDAÇOS

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O sol vai se pondo, dourando as areias da praia, rivalizando com o azul profundo da água e iluminando fracamente toda a Natureza ao redor.

Wina, diminutivo de Wenina, é uma mulher realizada profissionalmente, rica, dona de uma rede de butiques e um importante nome como estilista, tendo criado a sua própria grife.

Enquanto caminha pela areia, Wina pensa em sua vida e se pergunta:

_Meu Deus, porque eu tenho tanta sorte nos negócios, mas não tenho sorte no amor??? Sinto-me despedaçada com o desaparecimento do Miguel. Sumiu, sem dar nenhuma notícia, sem ao menos despedir-se. Será que morreu e ninguém sabe??? Ou será que me esqueceu realmente???

As lágrimas banham-lhe o rosto e Wina segue em sua tristeza.

O seu ponto de parada é uma grande e achatada pedra de onde ela pode avistar o mar, cujas ondas chegam para lamber os seus pés.

Ouve, ao longe, uma música gostosa e dolente, saindo do violão de um rapaz bem bonito, que só não desviava sua atenção de suas dores.

A caminhada do chalé onde fica é longa, um gostoso cantinho que todos os anos ela aluga de uma grande amiga. Assim não tem trabalho nenhum nem depende de ninguém. Gosta de ficar sozinha e a manutenção é feita por pessoas que trabalham para essa amiga. Faz as refeições num pequeno restaurante à beira-mar.

Vítor é um microempresário, que trabalha todos os dias até as 17 horas, depois toca o seu violão na praia, nos bares, pelas calçadas, onde encontre ouvintes. Com 35 anos, uma empresa tecnológica em franco progresso, apartamento e carro do ano, não têm ambições desmedidas, por isso dedica-se a música, que é sua válvula de escape.

Nos últimos dias têm reparado em Wina e sabe de sua tristeza, pelo semblante fechado, sem um ar de sorriso.

Naquela tarde, o rapaz resolveu que se aproximaria de Wina para puxar assunto. Ele descobriu o seu nome pelo dono do quiosque onde às vezes toca.

Fim de tarde, novamente o sol doura tudo ao redor. Hoje finalmente Wina recebeu uma notícia de Miguel. Um acidente horrível ceifou-lhe a vida e somente depois de muitos dias foi descoberto pela família. Como já haviam passado muitos dias e os familiares não sabendo da existência de Wina, nada puderam fazer além de enterrar os restos do seu corpo carbonizado. A notícia lhe foi dada pela sócia da butique, que assistia casualmente ao noticiário na TV, pois o acidente envolveu também um político conhecido e as fotos apareceram juntas.

Wina, ainda em choque, recusou qualquer companhia e agora pode chorar e seguir a vida em paz, pois tem certeza de eu se Miguel tivesse vivo, voltaria para ela.

Durante dois dias ficou em casa curtindo sua tristeza. No terceiro, já mais calma, resolveu dar sua caminhada ao pôr do sol.

Chegando lá na pedra, que é o seu porto, sentou-se e ficou mirando o mar, as pessoas caminhando, os surfistas cortando as ondas mornas e as gaivotas em seu vôo rasante cortando o ar, em meio ao pranto, ofereceu uma mensagem de despedida para Miguel, sob a forma de linda prece, ao fundo ouvia o violão de Vítor dedilhado numa melodia comovente, como se soubesse o que se passa no seu coração.

Vítor veio tocando o seu violão calmamente e sentou-se numa pedra um pouco acima de onde Wina se encontrava e ali ficou a envolvendo em suas canções românticas e apaixonadas.

Como forma de iniciar uma conversa, Vítor perguntou se ela gostaria de ouvir uma determinada música, que ela escolhesse. Wina pediu que tocasse SOLIDÃO DE AMIGO de Jessé.

Vítor cantou primeiro um pedacinho e Wina concordou. O rapaz, com um largo sorriso, iniciou a canção e a moça o acompanhou com os olhos rasos d'água.

Após terminar, Wina agradeceu, levantou-se depressa e despediu-se, dizendo que precisava ir. Vítor não impediu a fuga e deixou-a ir, como se soubesse de sua dor.

Wina caminhou depressa e logo chegou ao seu chalé. Tirando a roupa entrou sob uma ducha fria, onde além do corpo, lavava também a alma, depois vestiu uma camisola curta e deitou-se.

Insone, Wina ficou pensando em Miguel durante um bom tempo. As lágrimas pareciam que tinham secado e seus olhos estavam apertados. Resolveu tomar um leito morno que sempre a ajudou a pegar no sono.

Em seguida foi deitar-se. Na madrugada sonhou uma cena muito bonita e comovente. Estava sentada na mesma pedra e de lá via um barco à vela, e sentado nele estava Miguel, com uma roupa linda, uma calça branca e uma camisa vermelha aberta ao peito e os cabelos soltos ao vento, com um sorriso franco e brilhante. O rapaz acenava para ela e dizia para ser feliz, pois ele estava muito bem.

Quando acordou,Wina sentia-se diferente, liberta e lembrou-se do sonho e em seu coração aceitou a despedida de Miguel.

Ao pôr do sol, Wina vai caminhando para sua pedra e ao longe avista Vítor sentado com seu violão. Dedilhando, calmamente uma dolente canção e um sorriso farto no rosto a recebe com carinho.

E entre músicas, sorrisos e brincadeiras surge uma amizade mesclada com amor capaz de juntar os cacos do coração dessa mulher.

FIM

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