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O dia amanheceu pesado no hospital psiquiátrico. Entro no corredor mais silencioso da ala de segurança máxima e, antes mesmo de alcançar a porta reforçada do quarto do Shadow, percebo que havia algo… errado. Algo diferente no ar, como se as paredes estivessem presas em uma respiração contida.
Quando entrei, a cena praticamente saltou contra mim.
Shadow estava sentado no chão, as costas encostadas na lateral da cama, o cobertor amontoado ao lado, os cabelos negros desgrenhados e os olhos vidrados em um ponto que só ele via. Os lábios do paciente se moviam rápido, murmurando frases quase sem som, palavras que não formavam nada coerente, e ainda assim carregavam uma urgência que apertou o meu estômago.
— Shadow? — Chamei baixinho, me aproximando devagar. — O que você está dizendo?
O paciente virou o rosto na direção da parede, e não para mim. Seus olhos dilatados e sombrios percorriam o espaço vazio como se ali estivesse alguém.
— Eles estão rindo… — murmurou Shadow, mais para si do que para mim, o médico. — Eu falei pra eles calarem a boca, mas eles não calam… não param… não param… — Ele apoiou as mãos na cabeça. — Parem de me olhar… vocês estão tortos… tudo está torto… isso não devia estar assim…
Senti a espinha gelar.
Eu já tinha visto relatos de crises psicóticas na teoria, treinos, simulações… mas ali, ao vivo, frente a um homem que já havia matado seis pessoas em um surto, o peso era completamente outro.
Mesmo assim, eu tentei respirar fundo.
Precisava manter a calma. Sempre precisava manter a calma.
— Shadow, olha pra mim — disse, aproximando-me mais, mas mantendo uma distância segura.
Nada. O paciente continuava falando, agora mais rápido, atropelando palavras, a voz subindo e descendo como se estivesse discutindo com alguém invisível:
— Eu já disse pra não tocarem neles! Eu disse! Eles são meus! Eu protegi! Eu sempre protegi! EU FIZ CERTO! — Seus dedos tremiam. — Não mexe com ela… não mexe com a Apple… eu avisei… eu avisei que ia quebrar o pescoço se tocassem nela…
Engoli em seco.
Eu sabia que era uma alucinação. Mas o desespero na voz do Shadow era tão real que quase dava pra tocá-lo.
Eu me ajoelhei, mantendo a voz baixinha, controlada, firme o suficiente para ancorar:
— Shadow… me responde uma coisa. — eu escolhi a primeira pergunta lógica que veio à cabeça. — Que dia é hoje?
O homem piscou, confuso. A pergunta cortou o fluxo da alucinação por uma fração de segundo.
— Hoje? — Ele franziu a testa. — Hoje é… hoje é azul. Eles disseram que é azul. Você não tá vendo isso?
Continuo, mantendo o tom neutro:
— Azul não é um dia, Shadow. Vamos tentar outra. — Eu me inclino um pouco. — Você lembra onde está?
Shadow olhou em volta, respirando rápido, tentando decifrar o ambiente como se estivesse vendo pela primeira vez.
— É… é a caixa branca… — murmurou. — A caixa onde eles me trancam… mas as paredes não eram vivas antes. Elas tão mexendo. Elas não deviam mexer.
— As paredes não estão mexendo, Shadow. — disse, gentil, mas firme. — Você está no hospital, lembra? O hospital de segurança máxima. Você não está sozinho. Nada aqui vai te machucar.
Shadow torceu os lábios, a raiva repentina vibrando sob a pele:
— VOCÊ NÃO SABE! — ele rosnou, e os guardas do corredor imediatamente ficaram atentos, se movimentando, eles abriram a porta do quarto. — Eles estão atrás de mim! Na porta! Eles querem entrar! Eles querem mexer na Apple! Eu disse que eu protejo eles! EU PROTEJO ELES!
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𝐋𝐨𝐫𝐚𝐳𝐞𝐩𝐚𝐦 𝐕𝐢𝐯𝐨 (𝐒𝐡𝐚𝐝𝐨𝐰𝐯𝐚𝐧𝐢𝐥𝐥𝐚 𝐞 𝐏𝐮𝐫𝐞𝐒𝐡𝐚𝐝𝐨𝐰)
FanfictionSempre dizem que "ninguém é de ferro" e aprendemos isso de maneiras diversas. Mas se um psicólogo teve momentos traumáticos que ainda não cicatrizaram, seria certo se ele tratasse alguém pior? Qual a diferença entre esquizofrenia e ansiedade? Nenhu...
