Rocinha

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10 anos atrás.

A noite estava quente, típica do verão carioca. Matheus usava uma farda pesada, com um colete a prova de balas, fora o fuzil que portava dando-lhe mais alguns quilos para carregar. Da janela suja do caveirão conseguiu ver as prostitutas fazendo a festa com os turistas que embainhavam-se nas águas do Brasil. Tudo uma festa. Menos para ele.
Matheus Araújo, mais conhecido como Soldado Araújo, faz parte do Batalhão de Operações especiais com apenas 22 anos. Uma sorte que mudou sua vida. E pensar que poderia estar em um bar bebendo ao invés de estar ali, com mais cinco homens, enfurnado em um cubículo pronto para subir o morro, aquilo fez seu coração palpitar.
Subir a favela da Rocinha era rotina, nada mais o surpreendia. Todos os dias ele vivia o inferno que os moradores de todas as comunidades do Rio de Janeiro viviam, mas ainda assim não levavam nada do que ele dizia a sério. Por que? Porque ele tinha malditos olhos azuis e cabelo liso. Podia ser um pouco mais velho também, isso imporia respeito, pensou ele, mas não era o caso. Só por ser considerado mais bonito que os outros, tudo que tentava dizer acaba com alguém o chamando de "bicha", "menininha dos olhos azuis", ou qualquer merda que seus superiores quisessem. Era frustrante.
Ficar filosofando sobre a vida também não ajudava em nada, por isso Matheus resolveu descer do blindado assim que recebeu a ordem de seu superior. Em silêncio, todos foram para posições estratégicas a fim de não estragar o elemento surpresa preparado com tanto "carinho". Tirou o suor da testa mais uma vez e caminhou para uma das casas coloridas e humildes que compunha a favela.
Bateu em uma porta de madeira gasta, com algumas lascas feias, sem fazer barulhos desnecessários e foi recebido por uma criança de aproximadamente oito anos. Empurrou-a levemente e entrou na casa, acenando a cabeça para a mãe que estava de camisola, esquentando leite para duas meninas que estavam deitadas na cama improvisada, de aproximadamente um ano cada.
— Senhora, meu nome é soldado Araújo e preciso usar a sua casa como ponto estratégico. Estou autorizado? — Ele perguntou calmamente, em um tom baixo, mas com o fuzil um pouco acima do peito, mostrando a total falta de opção da moradora. —

Ela assentiu com a cabeça e puxou o filho para mais perto. Matheus subiu as escadas que dava para um quarto simples e uma varanda mal acabada. Ele pegou um banco infantil rosa que havia por perto e usou para acomodar-se na sacada improvisada que mostrava claramente que um dia ali fora uma simples laje.
Respirou fundo e posicionou o seu fuzil habilidosamente em direção a boca de fumo que seria surpreendida por seus companheiros que estavam escondidos cerca de cinquenta metros de distância do local.
Posicionado Araújo? Questionou seu superior no fone que tinha no ouvido esquerdo. —

— Positivo. — Respondeu ele, mais como um sussurro. —

Vamos invadir — Lucas, seu amigo e companheiro de batalhão, falou com o sotaque carioca carregado. —

Enquanto todos discutiam na escuta qual era o melhor jeito de executar o plano, Matheus resolveu limpar a área com os olhos, ter certeza que tudo estava como o esperado para concluírem a operação. Nada demais, pensou ele, tudo tranquilo.
Alguns "aviõezinhos" saíram do barraco tranquilamente, meninos de aproximadamente 15 anos, com pistolas enferrujadas se achando os reis do mundo, pois vendiam drogas e movimentavam a "economia" da favela. Eram crescidos, pensavam eles.

Atira ou não? — Perguntou Lucas na escuta.

— Mas é claro que não. — Respondeu Matheus. — São menores, não está vendo? Não estão representando perigo para nós. — Concluiu. —

Dança Perigosa - DEGUSTAÇÃOWhere stories live. Discover now