Trinta - Veritas Vos Liberabit

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O ar puro dos jardins do St. Marcus, naquele horário ocupado pelos prisioneiros que tomavam o banho de sol, levou o oxigênio ao seu cérebro, que estava livre daquele turbilhão caótico que o tomava desde que Melissa chegou ali. Sua visão, que antes parecia sempre turva, agora era límpida, e a doutora enxergava com clareza o verde bonito da grama e o colorido encantador das flores; o cinza envelhecido e mal-cuidado tomado de musgo que pintava o helvete. Nem mesmo o inferno na Terra abalou-a naquele momento. A visão do grande e imponente edifício, que parecia carregar sempre uma nuvem negra sobre si, foi quase... Um alívio. E Melissa sorriu, sabendo que aquele não era mais o lar dele.

Os tijolos vermelhos que forravam o prédio B chamaram sua atenção logo em seguida. Melissa respirou fundo, antes de permitir que seus passos decididos a levassem até lá. Alguns enfermeiros sorriram quando ela passou. Julia Sheffield, aparentemente esquecida da discussão que tiveram, acenou de longe e a doutora, feliz, correspondeu ao gesto. Na porta do prédio B havia um único guarda, vestido em seus trajes azuis, que abaixou seu cassetete quando Melissa cumprimentou sorrindo. Ela subiu as três escadas de pedra que dariam acesso à porta, sentindo uma estranha euforia dominar seu interior, seu sangue borbulhava e causava-lhe cócegas de excitação. Era uma boa sensação.

Antes de finalmente adentrar o edifício, seus olhos foram atraídos por uma inscrição gravada na pedra que formava o portal, a qual Melissa antes nunca havia notado:

VERITAS VOS LIBERABIT

Seu pouco conhecimento em latim permitiu-lhe deduzir o que aquelas três simples palavras significavam.

"A verdade vos libertará".

O cheiro de consultório de dentista misturado a éter fez Melissa enjoar. Os corredores do prédio B eram todos pintados a tinha óleo branca. As portas dos quartos, diferentes das do helvete, não eram fechadas por travas automáticas. Os prisioneiros do prédio B eram decididamente mais pacíficos do que aqueles trancafiados no prédio C. E eles estavam todos no banho de sol, o que deu a Melissa um mínimo de paz e tranquilidade para caminhar ali dentro. Melissa não havia visto Corey Sanders nos jardins, então sabia que ele estava ali, em algum lugar, em algum daqueles quartos. Arriscava um espiar atento por todas as portas que passava, mas não havia sinal de vida ali. Então subiu as escadas, e no último quarto do corredor, encontrou o que procurava.

Corey Sanders estava sentado em uma cadeira simples de madeira, postada em frente a uma escrivaninha. A mesma que ela viu no quarto dele no helvete. A diferença era que ficava em frente a uma grande janela aberta, que deixava o vento frio do outono entrar. Ele não parecia, como sempre, sentir o frio. Ou fingia que não. Vestia uma camiseta branca simples e um jeans escuro. Seus ombros largos e fortes estavam curvados. Entre seus dedos, Melissa enxergou uma pequena flor que, pela aparência frágil, já estava morta há muito tempo. Um dia ela já fora rosa, mas agora era desbotada e amarelada. Melissa não podia ver a expressão no rosto de Corey Sanders, porém ele encarava a pequena flor de modo tão compenetrado, que, por um momento, cogitou a possibilidade de ir embora e voltar em um momento em que ele não parecesse tão... Frágil.

Mas ela não podia. Precisava chegar ao fim de tudo aquilo de uma vez por todas, caso contrário enlouqueceria. Então pigarreou baixinho, tendo que repetir o gesto, porque ele não ouviu da primeira vez. E quando o fez, Corey Sanders virou o rosto bruscamente em sua direção. Seus olhos azuis perderam um mínimo do brilho que ela fora responsável por recuperar. Os lindos traços estavam fechados, de um modo que Melissa julgou enigmático. Os lábios, curvados levemente para baixo. Ele parecia... Abalado. Mas assim que reconheceu quem estava, hesitante, à sua porta, tudo aquilo que lhe atormentava pareceu esvanecer num milagroso passe de mágica.

Psicose (Livro I)Where stories live. Discover now