Capítulo 10

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Contrariando suas expectativas mais pessimistas, o restante do dia passou rapidamente. Logo, depois de uma tarde agitada com seus alunos mirins, Faith guiava pela estrada que levava a Sin Bay. Não ligou o rádio, impaciente com a possibilidade de ser descoberta. Jamais poderia acontecer. Não conseguiria pontos a favor em sua conquista ainda que fosse apenas uma moça politicamente correta, então poderia imaginar o que aconteceria caso o padre descobrisse a verdade.

– Fugiria de mim mais do que já o faz... – ela disse para o vazio. – E olha que eu nem disse nada... Não fiz nada além de dar aquele beijinho mixuruca em seus dedos.

O padre bipolar a deixava confusa; ora receptivo, ora insociável. Contudo, pensou de mau humor, se ele descobrisse sobre a boate, apenas um comportamento prevaleceria. Deveria tomar cuidado com o que dizia. Enquanto se alertava, as luzes dos faróis de um carro reluziram em seu retrovisor. Praguejando baixinho contra a claridade que a cegava, passou a guiar pela beirada da pista para ser ultrapassada. Quanto o veículo se manteve a mesma distância, ela soube se tratar de Tyler. Com um bufar exasperado, a moça moveu o retrovisor para que o brilho dos faróis do Windstar não mais a incomodassem.

Como sempre ele se despediu perto da praça com duas buzinadas. Por puro hábito, Faith retribuiu o cumprimento sonoro enquanto seguia para sua casa, rígida sobre o banco. Em sua casa, novamente a noite foi agradável. Faith conseguiu se distrair durante o jantar com Constance e Nicole, quando agradeceu aos céus pela mãe não voltar ao assunto interrompido pela manhã. Após a refeição, as três mulheres se juntaram na sala para assistirem a um clássico do cinema.

– E o Vento Levou...? – Faith perguntou desanimada. – De novo?

– Ah, você sabe que gosto – Nicole retrucou divertida. – Se não quiser ver, boa noite!

– Faço o sacrifício por você – anuiu. Não desejava ir para o quarto onde teria horas ociosas para remoer uma questão saturada e inquietante.

– Fiquem quietas! – Constance pediu. – Já vai começar.

– O-ba!... – Faith exclamou nada animada.

Depois de receber um tapa leve no braço, a moça se calou. Acomodando-se ao lado da irmã tentou se concentrar no filme muitas vezes reprisado. Não era um de seus favoritos, mas serviu para ocupar sua mente cansada. Faith se deu conta de como o constante estado de tensão a exauria quando se pegou cochilando. Em uma das vezes que despertou, Scarlet já tinha perdido seu primeiro marido e repudiava o luto que lhe era impingido. Sabendo qual cena seria a seguinte, Faith acomodou-se no sofá para que não voltasse a dormir.

Uma ideia começava a se formar em sua cabeça e para confirmá-la precisava apenas rever o baile que recolheria fundos em prol da causa dos confederados. E logo a cena chegou. Uma viúva no limite de sua ansiedade aceita dançar com o galã depois de ele dar um lance considerável em um leilão organizado às pressas, contrariando as regras de moral e bons costumes da época com seu gesto ousado.

– É isso! – a moça exclamou, subitamente animada, assustando as duas mulheres.

– Credo! Está ficando maluca? – Nicole indagou.

– Desculpe. Eu me empolguei com uma ideia. Preciso apenas amadurecê-la.

– Então o faça quieta, quero ver o filme – pediu a mãe que foi prontamente atendida.

O padre andava em seu quarto, como um animal enjaulado. Não conseguia dormir, nem mesmo foi capaz de terminar de ler seu breviário que jazia ainda aberto aos pés da cama. Aquela seria a primeira vez que deitaria sem completar suas orações. Isso se dormisse! A imagem dos olhos cobertos e da boca entreaberta não o deixou um único minuto desde que saiu da lanchonete. Interagir com o padrinho – que vez ou outra lhe lançava um olhar perscrutador – e com as frequentadoras assíduas de sua igreja fora uma tortura.

Enigma - Segredos & Mentiras [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora