Capítulo 4

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– Aonde pensa que vai, mocinha? Esqueceu que teremos um jantar hoje à noite?

Não, ela não tinha esquecido, Faith pensou parando à saída do portão que lhe daria a liberdade. Agora que fora pega em flagrante teria de dar meia volta e encarar a mãe. Procurando seu sorriso mais inocente, a moça respirou fundo e se virou.

– Perdoe-me... Tinha esquecido completamente.

– Ah! – Constance desarmou-se. – Pensei que estivesse fugindo do compromisso logo cedo.

– Absolutamente. – Faith se aproximou. – Sempre a ajudo nos preparativos. Já começou?

– Nicole foi buscar o polvo e a lula. Quando ela os trouxer, quero que os limpe.

Que maravilha! Cheiraria à maresia até sua próxima encarnação, pensou Faith, contrariada. Sabendo não ser capaz de dissimular o súbito mau humor, apenas seguiu até a cozinha. Tomou seu café da manhã em silêncio, lamentando não só o fato de ter de ajudar à preparar o jantar como ter perdido a oportunidade de ir à praia.

Perdida na raiva dirigida ao padre, esquecera-se do italiano, mas durante à noite, a imagem dele voltou com força total. Sabia ser praticamente impossível encontrá-lo mais uma vez, mas alimentou a esperança até que adormecesse. Sendo esse seu primeiro pensamento ao despertar.

E agora tinha de ficar em casa, droga!

Resignando-se ao seu destino, esperou pacientemente pela chegada da irmã, respondendo às perguntas da mãe de forma educada e teatralmente entusiasmada. Tão logo Nicole depositou os moluscos sobre a pia, ela iniciou a limpeza. O que a consolava era saber que não seria obrigada a participar da reunião. Enquanto todos estivessem saboreando as iguarias de Constance, ela estaria se divertindo. E fedendo!

Inferno! Definitivamente, aquele cheiro forte ficaria grudado em seu nariz e entranhado em seus poros. O mínimo que esperava era que o padre se engasgasse com um dos anéis, pensou, reprimindo um sorriso sardônico.

Após o pensamento maldoso, Faith distraiu-se, imaginando formas variadas de acidentes domésticos que poderiam acontecer com o velho padre. O prazer íntimo e mordaz a acalentou durante toda a manhã. Quando finalmente foi liberada por Constance era tarde demais para ir à praia, com isso, subiu para o quarto e, na varanda, colocou seu material em ordem. Não precisaria deles naquele dia, mas era preciso levá-lo consigo.

Vez ou outra seu olhar vagava para a extensão de areia. Seria perfeito caso o estrangeiro estivesse de volta e dessa vez resolvesse correr em frente à sua casa. Se o improvável acontecesse, ela ainda teria alguns minutos para abordá-lo. Talvez, dessa vez, pudesse colocar sua índole à prova. Sem atinar, sorriu ao pensamento. Vá sonhando, disse à si mesma voltando à seriedade. O italiano não viria desfilar diante de sua casa, conformou-se. Nunca mais o veria, era a verdade.

Depois de se despir, seguiu para um banho demorado no qual gastou metade do sabonete que tanto apreciava. Ótimo!, zombou, agora cheirava à peixe guarnecido com flores. Com o humor no limite a moça se arrumou para sair. Depois de vestir calças jeans e uma camiseta preta, calçou sandálias de saltos médios e prendeu os cabelos em um rabo-de-cavalo. Estava pronta! Queria não ser preciso ter de encontrar com a mãe, mas sabia ser impossível. Conhecia-a muito bem e sabia que não sairia sem ouvir as últimas recomendações. Conformando-se com o inevitável, Faith desceu as escadas em passos audíveis e foi até a cozinha.

– Já estou de saída... Assim que a aula terminar eu volto para casa.

– Está certo – disse Constance sem voltar-se. – Estarei esperando. Não se atrase.

Como a mãe não desviou a atenção do prato que preparava, não viu o sorriso travesso que se desenhou no rosto da moça. Faith criaria um problema, mas preferia mil vezes enfrentar a fúria contornável de sua mãe à ter de se sentar à mesa com o novo velho glutão da cidade. Quando chegasse, ele já teria ido embora, graças ao bom Deus!

Enigma - Segredos & Mentiras [DEGUSTAÇÃO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora