Amor Sangrento

Epílogo

6 anos depois

   Risos e conversas preencheram o restaurante naquela noite. O calor não vinha exclusivamente dos pratos maravilhosos que decoraram a mesa cheia. O clima acolhedor tinha origem nos corações de cada convidado, corações remendados e colados... partidos, mas que emanavam mais amor do que os de qualquer indivíduo que levasse uma vida perfeita sem as marcas feias da dor.
   Aos poucos o momento se encerrava, deixando apenas vestígios do que antes era uma celebração única e imperdível. Eram toalhas meio sujas, pratos para serem limpos, formas de doces sem as guloseimas ali dentro... e o eco das canções tocando de novo na cabeça.
   À noite, mais tarde, banhados pela luz das estrelas, voltaram para casa.
   A exaustão dos pais fazia parte daquela magnífica combinação denominada "dedicação e amor". 
   O filho mais velho do casal ainda tinha no rosto um sorriso vibrante e a alegria das brincadeiras de pouco antes até então pulsantes em suas veias. Sua mente ainda era muito nova para compreender — embora hoje envelhecesse mais um ano — tudo o que os pais faziam para ele, tudo o que passaram para poder entregar aquele momento ao filho justamente para que fosse daquele jeito: memorável de tão bom.
   Allan nunca entenderia como ele era importante, e talvez nunca descobriria metade da história dos pais também. Talvez nunca entendesse um dia por quê sua mãe tinha pesadelos quase toda semana, ou por quê seu pai acordava de madrugada e não dormia mais... Talvez jamais fosse descobrir uma centelha da verdade. Do lado sombrio da história... das torturas, das chantagens, dos assédios, do ódio, do trauma de quase ter perdido para sempre quem mais amava. Dificilmente Addams e Galpin entrariam nesse assunto, porém é de conhecimento geral que conforme os anos passam a curiosidade consome mais forte, e um dia, seguindo essa linha, Allan perguntaria o que aconteceu antes dele nascer.
   Mas por enquanto o bicho da curiosidade ainda não devorava porções generosas da sua alma, estava feliz sem precisar saber de nada. Ele se contentava com os sorrisos, com os abraços, com os presentes e com os carinhos que recebia. Eram suficientes para abafar todas as partes sombrias daquela família. E pronto. Acabava esquecendo daquilo e de repente nada de esquisito existia para questionar sobre.
    Wandinha segurava Evy no colo. Por mais que a garota já tivesse 4 anos, o hábito se mantinha. Evellyn herdou praticamente todos os traços do pai, desde seus olhos claros como as folhas, aos fios dourados levemente escurecidos de seus cabelos ondulados. Era uma boneca de tão linda e delicada. Já tinha ficado claro àquela altura que a menina não era uma grande fã das roupas pretas e sóbrias, tendo preferência sempre pelos variados tons brilhantes de azul. A mãe não ficou decepcionada com a filha... Apenas intrigada, pois não tinha pensado num guarda-roupa colorido para a menina. Enid foi a salvação da amiga. A loba foi extremamente talentosa ao separar as peças de roupa mais lindas para a sobrinha, o que a levou ao limite de suas habilidades com a moda. Pelo menos com Allan, Wandinha nunca enfrentou dificuldades.
   A família foi direto ao quarto do casal quando pisou os pés em casa. 

— Então, Allan, o que achou do jantar? — sua mãe perguntou quando entraram no cômodo.

— Foi incrível. — o garoto respondeu. — Uma experiência memorável.

   Allan tinha gosto por aprender palavras novas. Às vezes era pego roubando um dos livros da estante da mãe. Sempre um dicionário... No qual ele praticava sua leitura diária, tentando sempre ser o melhor da turma na escola em literatura. Evy achava engraçado ver o irmão usando tantas palavras diferentes, mas no fundo o admirava muito por isso, querendo ser igual a ele quando fosse mais velha.
   A pequena sempre dava risinhos quando ouvia o irmão usar seu vocabulário refinado, e Allan sempre achava aquilo uma ofensa. Não sabia que era tudo fascinação da parte dela, por isso se irritava e tentava achar alguma maneira de se vingar na hora da irmã...