Prólogo.

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Dedicada a todos nós que corremos.
Um dia, inevitavelmente, iremos parar de correr.
Seja porque aprendemos a desacelerar ou porque cairemos;
Cairemos em queda livre.

━━━━━━ ◦ JJK ◦ ━━━━━━
Por favor, deixe-me respirar.
- BTS, RUN.
◦ 15/11/1986 03:45 ◦

Jungkook respirou. A água do chuveiro pingava em sua cabeça. Ele respirou. Às vezes, precisava de esforço para fazer com que o pulmão funcionasse. Respirou novamente; estava melhorando. Agora, já conseguia perceber como suas mãos tremiam. Respirou, e a água quente entrou em suas narinas. Não importava; ele não podia sufocar mais do que já estava. Respirou, enquanto as lágrimas que brotavam de seus olhos se misturavam à água do chuveiro.

Chorar lhe dava certa tranquilidade; naqueles momentos, pelo menos. Queria acreditar que estava passando. Queria acreditar que estava acordando do transe. Era um dos poucos momentos em que sentir não era ruim. Geralmente, tudo o que sentia era ruim, mas o choro lhe trazia certo alívio. Conseguia sentir seu coração desacelerando.

Respirou. Seu estômago apertou e se contorceu. A ansiedade tinha dias entre a graça e a irritação. Quando ouvia tudo, todos e qualquer um ao seu redor, pensava milhares de coisas e nada, enquanto fazia uma careta de concordância e fingia entender e aceitar tudo o que falavam.

Ele poderia falar para eles como estava sempre querendo ir embora. Como se arrependia de encontrar seus amigos sempre que ia encontrar seus amigos, por mais que gostasse deles. Sobre como ia perdendo um a um por não querer nenhum por perto.

Falar sobre como ficava sem ar, como era o enjoo, ou o vômito e a falta de apetite. Então, poderia contar sobre como era vomitar sem ter comido, sobre a dor da contração no estômago desesperado para expelir qualquer coisa, que por um instante, parecia que colocaria sangue para fora, e sobre sangue, poderia falar como arrancava as cutículas sem nem perceber, só se dando conta ao sentir a umidade nos dedos, ao olhar para baixo e ver os rastros vermelhos pingando no chão.

Ou talvez pudesse falar sobre o sono pacífico, sobre dormir profundamente como um bebê, e então acordar do nada no meio da noite com uma sensação ruim, uma sensação péssima, a visão escura, tonto, a traqueia fechando, o pulmão não respirando, o ar não entrando, o estômago se contraindo, o coração disparando, enquanto cada músculo de seu corpo gritava tremendo:

"Eu vou morrer"

"Estou morrendo"

"Eu estou sem ar"

"Me deixe respirar"

Era difícil explicar para os outros a sensação de estar constantemente à beira do precipício, esperando a qualquer momento cair em um abismo.

Deixe-me respirar.

━━━━━━ ◦ KTH◦ ━━━━━━
Todos estão em cima do muro.Acho que não estão prontos para queda.
- CHASE ATLANTIC, THE WALLS.
◦ 15/11/1986 18:00 ◦

Taehyung tinha o hábito de se referir ao bar abandonado no final da rua como um ninho. Um ninho de ratos, para ser mais preciso. A princípio, era uma ironia, e para falar a verdade, pura depreciação. Mas, com o tempo, o apelido pegou. O local se tornou conhecido como o ninho.

O ninho dos Ratos.

No início, eles invadiam o lugar. Ainda restavam algumas bebidas desde que o velho proprietário faleceu e o bar foi fechado. Foi então que Jimin trouxe uma rede, que ele amarrou entre duas paredes. E quando Taehyung perguntou que porcaria era aquilo, Jimin apenas deu de ombros, colocou um cigarro de maconha nos lábios e chutou a parede, balançando-se na rede.

Não demorou muito para que um sofá aparecesse por lá. Apesar de ainda estar em bom estado, o couro sintético estava craquelado. E se algo não tem uma boa aparência, é descartado. Foi Hoseok quem trouxe a TV com a tela manchada que ficava sobre o balcão do bar.

Agora, eles passavam a maior parte do tempo ali. No ninho, como ratos. Em geral, eles não falavam. Apenas fumavam, bebiam e usavam algo. Olhavam para a televisão em silêncio, sem realmente assistir ao que estava passando. Taehyung se acomodou no sofá, o couro craquelado rangendo sob seu peso. O tecido farinhento arranhava um pouco a pele e coçava, mas ele não se importava. Seus pensamentos vagueavam pelo pequeno pacotinho branco que estava prestes a abrir.

Seu amigo, Jimin, pendurado na rede ao lado do sofá, balançava como um trapo, amarrado às estruturas do bar. Os dois compartilhavam a mesma letargia, e a televisão na parede exibia um jogo de futebol sem que eles desviassem o olhar.

Taehyung estendeu a mão trêmula em direção a um pequeno pacote branco. Jimin, com um olhar carregado de desaprovação, interceptou o gesto, estendendo a mão da rede para pegar o pulso de Taehyung, apertando-o com força antes de voltar os olhos ao jogo que terminava naquele momento.

- Você já foi longe demais, cara - murmurou, sua voz áspera carregada de uma ternura desgastada pelo tempo e pelas circunstâncias.

Taehyung apenas riu, um som áspero que ecoou pelo bar, sem alcançar seus cantos mais sombrios. - Preocupadinho, é? - provocou, saboreando a ironia, mas puxou o braço, deixando o que queria jogado ao chão.

- Se vicia. - Disse ele como se não se importasse. - E eu te largo na primeira esquina que eu achar vazia.

Taehyung riu balançando a cabeça. Trouxe os pés para cima do sofá e tirou um pacote amassado de cigarros do bolso. - Sou do contra demais para ficar encoleirado a qualquer porra. - Respondeu.

- Foda-se - Jimin respondeu - Ce' vai dirigir. Se morrer na corrida eu perco o dinheiro que apostei em você - completou, puxando a mão, erguendo o pé para chutar a parede e fazer a rede balançar.

O jogo terminou, e deu lugar a um noticiário rápido de minuto, que passava antes da primeira novela da noite começar. A voz da repórter do noticiário de TV ecoou pelo ambiente do bar. Alguns caras iam se reunir em alguns dias para votar por negociações de paz entre países em guerra. Um cara tinha entrado em uma represa para salvar um cachorrinho. Meteorologistas afirmavam que os próximos meses seriam de temperaturas elevadas e sem chuvas. Crianças riquinhas que fariam 16 anos no próximo ano estavam comemorando em um baile de debutantes.

A repórter, com sua voz profissional e impessoal, continuou a narrativa: "Este ano, a querida Brienne Brown, da Família Van Brown, debutou com ninguém menos que seu cunhado, Jeon Jungkook, da Família Jeon. Ele é o namorado de sua irmã mais velha, Sarah Brown, que debutou aqui há dois anos com ele." Taehyung bufou, acendendo um cigarro e expelindo fumaça em desdém.

"A caçula dos Jeons, Jiwoo, também debuta essa noite, faltando dois meses para seu décimo sexto aniversário. Os rumores diziam que ela teria como príncipe seu irmão mais velho, o primogênito da Família Jeon" continuou a repórter, como se estivesse lendo um roteiro. "No entanto, ela surpreendeu a todos ao escolher Jonathan Notf, da Família Notf, como seu par. Uma escolha interessante, considerando que o debut de Jungkook e sua namorada, Sarah, marcou o início de uma parceria entre as empresas de ambas as famílias. Ao acompanhar a caçula de Sarah este ano, ambas famílias reforçam essa parceria."

Taehyung soprou fumaça, batendo a cinza do cigarro no chão sujo do Ninho. Ele não se importava com parcerias empresariais nem com debutantes, nem com cachorrinhos salvos em represas ou com o clima quente. Não afetava sua vida. Seu mundo estava ali, naquele bar decadente, onde o tempo se arrastava como um réptil preguiçoso.

Era o que acreditava.

QUEDA LIVRE - taekookWhere stories live. Discover now