Luzes (III)

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Teias de aranha cobrem boa parte da estação

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Teias de aranha cobrem boa parte da estação. Teias tão descomunais que capazes de fazer exploradores aventureiros sofrerem calafrios ante a possibilidade do tamanho das bestas que aquela estação visão pode abrigar. Os cantos por todo o teto estão preenchidos por sujeiras e casca de insetos, típico de aranhas após sugarem o sulco de suas vítimas e largarem a carcaça em seu quintal. As luzes continuam ligadas há oito anos, apesar de abandonadas. Alguns diriam que a estação abandonada é uma estação-fantasma na qual os espíritos dos moradores de Geloema mantêm o seu funcionamento até hoje. Os boatos são que as luzes são mantidas acesas apenas por orientação aos maquinistas para redução da velocidade dos metrôs em relação às plataformas da estação desativada. Haja vista, a orientação para o oficial de manutenção é mantê-las sempre acesas. A forma repassada durante anos pelos agentes do governador sempre soou a Élton num tom mais histórico-cultural do que alguma necessidade.

Apesar do silêncio reinante na estação, ocasionalmente, ao longo dos oito últimos anos, esse mutismo era cortado pela lufada violenta dos metrôs em alta velocidade, indo para José Framergard ou Flamingos. Nenhum carro jamais pararia ali por qualquer motivo, ou pelo menos, não oficialmente. Entretanto, hoje é um dia diferente. Um velho — e um tanto enferrujado — vagão diminui sua velocidade até estacionar no meio da plataforma conduzido pelo homem de barbicha. A cor, originalmente amarela, exibe um estranho contraste com o bronze ferrugem da locomotiva de reparo.

Sempre que Élton liga o rádio, só se fala nessa notícia. Típico de manchetes de grande proporção. Durante os testes, Élton ouve vários programas sensacionalistas implantarem todo tipo de coisa na cabeça da população. Os boatos partem desde pequenos erros técnicos para fantasmas e até terríveis zumbis. Alguns apelam a entrevistar qualquer indivíduo que possui alguma informação incomum para contar sobre a estação abandonada, mesmo que nenhum dos relatores tenham realmente pisado os pés em Geloema alguma vez na vida. Cada um conta uma coisa diferente, mas todos eles corroboram com o fato de a inabitada estação estar sempre com as luzes acesas. Por este detalhe em comum, e apesar de um tanto intangível pela lógica ante grande parte da população, faz Élton decidir que iria até a estação por um motivo:

"Vou desligar essa merda de estação!"

Quando Élton pisa sobre o piso de borracha carcomido da plataforma, sente um ar tão velho quanto o bafo escapado de um baú ou uma caixa de surpresa trancada há séculos. É possível ver alguns fragmentos de sujeiras quase invisíveis, pairando no ar tão lentamente como se o tempo estagnasse. As luzes da estação parecem esconder alguma cor mais quente ao longo dos seus raios, mas Élton não sabe distinguir qual é. O lugar é centrado por um pilar, no qual, parado por um tempo enquanto sobe o olhar, ele nota que tudo ali está disposto de forma circundante ao pilar, exatamente como diz na revista de curiosidades sobre a linha vermelha. Mais adiante, há uma espécie de barreira esbranquiçada. São tão espessas e longas que se assemelham a enormes cortinas de lã, como um enorme cobertor desfiado com pontas presas por todos os lados, e depois disso, lá estão três saídas principais para um teto em arco.

O chefe da manutenção finalmente decide se mover e cede um passo em direção à estranha barreira. As sujeiras no ar se agitam conforme o avanço do homem. Apalpando sua cintura, entre a lanterna e o rádio de bolso, ele acha algumas chaves presas à sua presilha. Já faz muito tempo desde a última vez que Élton foi naquele lugar. Em verdade, se lembra de ter ido ali algumas vezes fazer alguma coisa que nem se que não recorda, logo após a estação ser oficialmente fechada. Deveria ser algo relacionado à limpeza da estação, à energia ou qualquer coisa do tipo. Depois de um tempo andando em frente enquanto os olhos procuram reconhecer atentamente a porta da sala de força, ao localizar, com a aproximação, ele percebe a estranha barreira esbranquiçada ganhar uma textura mais detalhada em fiapos, até finalmente notar que se tratava de um imenso cobertor de teias. As teias encobrem as catracas de ferro enferrujadas, mas bem acabadas em estilo rococó, antiquado até para oito anos antes. No alto do arco das saídas, as luzes também estão acesas e encobertas por restos de insetos por sua vez. Em volta do local de embarque, pode observar as paredes descascadas e pôsteres antigos rasurados ou com a tinta totalmente embaçada. Prováveis vazamentos que descem pelas paredes nos dias de chuva.

Élton percorre a fila de catracas e nota outros detalhes aparecerem na cena, como cabines telefônicas bem antigas dispostas em um lado na parede, costado a um banco de espera para passageiros muito enferrujado. Lustres pendurados por grades correntes de um teto, — teto que nem se vê de tão alto — cobertos por teias e restos de outros insetos. Cabines metálicas com aberturas transversais dispostas em pontos estratégicos, um tanto enferrujadas também. "Provavelmente postos de seguranças da época".

Élton prossegue até chegar ao outro lado da plataforma, onde há um portão dobrável na parede em frente. Este também está repleto de seda, e azul desbotada quase não se vê também. Élton empurra o portão, dobrando-o sobre si. Aquele mover lembra aquelas antigas grades dos elevadores dos anos 80. Não que Élton seja alguém tão velho que presenciara o feito, porém, boa parte dos filmes antigos de Hollywood, que envolviam sala de ricos ou mafiosos, tinham elevadores dessa estirpe. Do outro lado da grade, Élton sobe alguns degraus e se depara com uma sala cheia de tubulações dispostas no teto e painéis nas paredes com diversos cabos interligados. Há pequenas luzes led por todas as partes e algumas alavancas antigas. Com certeza, a sala de força.

Élton caminha até o meio do padrão iluminado por uma lâmpada de armação pendente bem acabada em prato. O vidro concavo ao meio é sustentado por uma corrente na qual a lâmpada também pende, e a iluminação o faz pensar na composição de ao menos três filamentos internos. Um brilho perfeitamente pálido apesar do bulbo e do prato sujo e amarelado, uma maravilha dos anos 80. Os raios do brilho descem perfeitamente e projetam sombras de filamentos de teias em algum lugar. O brilho estranhamente rosado ao final de seu raio reflete algo mais do que ele imaginava na base do prato, uma aranha. Talvez por força do inconsciente, talvez por prevenção, Élton não é do tipo que vê alguma teia e sente alguma coceira ou formigamento na pele, a menos que realmente tivesse algo. Ele prossegue vistoriando um por um dos painéis enquanto uma sombra enorme de oito patas se agita por toda extensão do cômodo. Um som fino semelhante a pequenas agulhas cutucando um copo de vidro reverberam no ambiente, talvez pelo fato de ter notado algum ser vivo se locomovendo pela sala após quase uma década. No entanto, Élton sabe que a enorme sombra não passa de um aumento inequívoco de uma pequena aranha que se mexe no prato abaixo da lâmpada e que os finos sons não passam de o barulho de suas pequenas patas passearem por dentro concavo do prato vítreo que cobre a lâmpada.

Ele anda por um certo tempo observando a disposição dos painéis, alguns até faíscam. Um a um, ele ouve o som das finas patas dançarem dentro do prato e vê a enorme sombra se remexer na parede a cada passo que ele dá. "É esse", conclui, parando em frente a um dos painéis.

Ele se dobra sobre o painel e perscruta as informações em uma plaqueta metálica parafusada. Limpando algumas teias, ele agarra sua lanterna na cintura, preparado para desligar a força da estação. A aranha se agita dentro do bulbo quando Élton coloca sua mão direita sobre o travessão e puxa para baixo em direção ao off, desligando toda energia da estação Sandor Allulasu. 

 

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