CAPÍTULO V

25 12 136
                                    

Minha experiência como cocô gigante durou apenas um dia e, infelizmente, não foi o suficiente para jamais me deixar ser humilhado outra vez. Com muita relutância, peguei novamente a página de classificados e achei um anúncio para cuidador de cachorros porque me submeter a cuidar de uma criança era demais. Até mesmo para mim.

A contratante se chamava Ellen e se intitulava "mãe de pet" de dois cachorros da raça shih tzu, o que seria completamente irrelevante pra história, não fosse pelo fato de um cachorro se chamar Shih e o outro Tzu. Parabéns pela coragem, Ellen, porque a noção claramente faltou.

Ellen Grata trabalhava de segunda à sexta, das 9 às 18 horas e era esse o período que eu deveria ficar em sua casa cuidando dos animais.

Quando cheguei à casa de Ellen no outro dia, vi que se tratava quase de uma mansão, daquelas de dois andares de filmes americanos que retratam a classe média dos EUA. Toquei a campainha e aguardei a mulher me atender.

Queria escrever aqui que esse capítulo não envolve cocô de forma alguma, mas estaria mentindo. Mal entrei pela porta e já pisei em uma merda (que Ellen relatou ser de Tzu, porque o Shih cagava em um tom diferente). Ellen explicou que eu deveria prestar atenção na cor da bosta para anotar na planilha diária, que relatava quantas vezes cada um dos cachorros havia comido, bebido água, urinado e cagado.

A mulher me explicou passo a passo tudo que eu deveria fazer, pois Shih e Tzu tinham cronogramas diferentes e ela não admitiria erros (a última babá fora demitida por esquecer de limpar a bunda de Shih depois da evacuação das 17:30).

Quando a desgraçada da mulher finalmente saiu para trabalhar em não-sei-o-quê, no tribunal sei-lá-qual, fui checar para ver se a casa tinha câmeras. Encontrei somente uma, no hall de entrada.

Transportei os dois cachorros para o banheiro, junto de seus potes de água e ração, que eu tragicamente esqueci em cima da pia, onde eles não alcançavam. Sentei na sala para finalizar minha maratona de Scandal e lá fiquei até às 16 horas, que o cronograma apontava ser o momento de passear com os dois cães.

Saí com Shih e Tzu pelo hall de entrada, indo em direção ao parquinho do bairro. Chegando lá, encontrei Luciferina, minha outra colega do ensino médio. Sempre me dei bem com ela na época da escola e não sabia como ela reagiria depois do meu vídeo como Fezezinho. Lulu, como eu a chamava, foi polida o suficiente para não mencionar aquela tragédia e começamos a colocar nosso papo em dia.

Conversamos tanto que, a certa altura (quando Lulu mencioava que casara com um velho rico de oitenta e dois anos), percebi que havia perdido os cachorros de Ellen Grata. Eles não estavam mais comigo ou em qualquer lugar à nossa vista.

O desespero tomou conta de mim, porque eu não queria ser processado por Ellen, que trabalhava com advocacia e levei Lulucomigo para procurar os cães.

Felizmente encontrei Shih e Tzu na esquina de baixo, mordendo as pernas de uma criança que chorava, aos prantos, pedindo pela mãe. Dei vários tapas nos cachorros para que soltassem ela e os levei para casa, me despedindo de Luciferina.

*

Cheguei novamente à casa de Ellen e, ao adentrar a porta, até esqueci do perrengue todo que passei com os cachorros no parque.

Um belo homem, belo não, um belíssimo homem, estava parado no hall de entrada lendo um jornal. Ele era loiro, com no mínimo 1,90 metros e tinha um avantajado volume em suas calças jeans. Larguei os cachorros, que correram e se emaranharam nas pernas do homem, latindo.

- Meus amores e... - ele olhou para mim, abrindo um enorme e branco sorriso - e você deve ser o novo baby sitter deles. Prazer, Gustavo.

Prazer? Só na cama, com você me chamando de "meu amor" também.

AS DESVENTURAS DE UM BORDERLINEOnde as histórias ganham vida. Descobre agora