CAPÍTULO IV

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Se você acha que toda minha experiência com cocô - merda, bosta, fezes ou como quiser chamar - havia acabado, saiba que está muito enganado. Ao longo desse capítulo você perceberá que este tema bastante inusitado me perseguia, assim como Tiago Santos perseguia seu sonho de se tornar eu.

Abalado, mas não destruído completamente (porque gato cai de pé), fui para a internet pesquisar vários meios de ficar rico facilmente - sem ser no ramo das drogas ou venda de órgãos no mercado negro. Logo desisti, pois essas eram as duas únicas opções no Wikihow.

Quando entrei no Facebook para desenvolver novas brigas em torno de política com meus familiares, notei algo que talvez pudesse mudar minha vida. Vi que Shirley havia finalmente adquirido seu carro rosa, apenas vendendo Mary Kay. Eu deveria empreender no ramo de cosméticos e depois vender meu carro doado pela empresa para conseguir uma grana.

Saí do meu apartamento e fui procurar Shirley, evitando seu papagaio gospel, que agora também aprendera a gritar nome de cosméticos (ouvi ele berrar "TIMEWISE MARY KAY 50 REAIS" quando cheguei ao bloco dela). Bati na porta e fui pedir conselhos à Shirley, que se sentiu ofendida por eu tentar tirar a clientela dela e bateu a porta na minha cara.

Entrei no Google e pesquisei "como conseguir o carro rosa da mary kay" e descobri que o esquema todo era muito complicado, feito uma pirâmide. Desisti na hora e fui fazer meu hobby favorito: comer Cheetos requeijão assistindo série, deitado no sofá. A Netflix recusou meu pagamento e foi aí que eu decidi que meu futuro só dependia de mim. Eu deveria conseguir um emprego, seja ele qual fosse.

Na manhã seguinte acordei muito cedo, lá por cerca de onze horas e fui na porta da Shirley para roubar o jornal dela, que ela só recolhia ao meio dia, quando chegava em casa do seu segundo emprego que eu nunca soube qual era. Folheei o jornaleco até achar a parte dos classificados.

Basicamente todas as propostas de emprego exigiam esforço demasiado da minha parte. Auxiliar de obras, cuidador de idosos, babá (imagina!) e por aí vai. Já pensando em quebrar algum membro do meu corpo para conseguir auxílio do governo, finalmente avistei um anúncio - que não especificava a função - para trabalhar em uma empresa de desinfetantes. Não custava nada ir checar, então liguei para lá e marquei uma entrevista para o dia seguinte.

*

A empresa se chamava Adeus Dejeto Ltda. e era localizada no centro da cidade. Adentrei o saguão principal do lugar e falei com a recepcionista, que me direcionou ao local da entrevista.

A sala do diretor da empresa era minúscula e praticamente tudo era marrom, incluindo o bibelô em formato de cocô posicionado sobre a mesa do escritório.

- A candidata à vaga chegou - anunciou a recepcionista. - Boa sorte - disse, me lançando um olhar um tanto pesaroso.

- Bom dia. Não quero saber nem seu nome, mas já está contratado! - disse-me o diretor, sorrindo.

- Como assim? Mas já?

- É que não tem muita gente que se candidata para esta função - me respondeu, levantando na mesa e pegando no meu braço para me tirar da sala. - Você começa agora mesmo.

Agora mesmo? Mas qual função?

Fui conduzido a uma sala maior e cheia de armários. O diretor da empresa abriu um deles e, de lá, tirou uma fantasia gigante de cocô.

- Então, seja-lá-qual-for-seu-nome, você será nosso mascote, o Fezezinho, trabalhando no ramo da nossa publicidade, sabe... - falou, me entregando a fantasia. - Seu horário é das 8 da manhã às 17 da tarde, com intervalo de duas horas.

Mas que porra era aquilo tudo? Uma das faculdades que eu havia abandonado era a de publicidade. Se fosse pra arrumar um emprego na área, jamais imaginaria que seria como mascote gigante em forma de cocô.

Me preparei para mandar aquele filho da puta pra puta que o pariu, mas daí lembrei que estava sem Netflix, quase sem internet e com um estoque de Cheetos requeijão bastante limitado. Sorri para ele e me dirigi ao vestiário.

*

A fantasia era basicamente uma bosta gigante com dois furinhos onde ficavam os olhos para seu ocupante poder enxergar. Fiquei mais tranquilo porque ela cobria o rosto todo e ninguém saberia que era eu quem estava dentro dela.

Depois de vestir a fantasia, Fernando, um dos funcionários da Adeus Dejeto, me levou até a rua e explicou minha função: ficar balançando os braços na porta da empresa e cantando um jingle absurdamente ridículo que consistia em "aqui o cocô não passa perto, adeus dejeto, adeus dejeto!".

Nos primeiros trinta minutos, no mínimo cinquenta pessoas passaram rindo da minha cara. Tive que mandar umas vinte irem tomar em seus respectivos cus quando apontavam uma câmera pra mim ou pediam para tirar foto comigo. Eu certamente me tornara a merda mais grosseira do planeta.

Duas horas e duzentas caçoadas depois, a pior coisa que poderia ter me acontecido - como de costume -, me aconteceu. Uma criança apareceu e me abraçou, pedindo pra tirar foto comigo. Chutei a criança para longe na mesma hora e mandei ela não encher meu saco. Foi aí que ouvi o pai da criança dizer:

- Só podia ser você mesmo, Thomas! Sempre sem educação!

Puta que pariu! Reconheci aquela voz irritante na mesma hora. Era o desgraçado do José de Jesus Evangê - sim, esse era o nome dele -, meu colega crente do ensino médio. Minha voz tinha me denunciado e agora José Evangê apontava o celular na minha cara e gravava um vídeo meu. Tirei a fantasia na mesma hora para ter mobilidade pra dar uma esbofeteada naquela cara de crentelho chato dele. Dei um tapa no celular, em vez disso, porque não queria ser processado por agressão - apesar de já ter chutado de leve seu filho pentelho - joguei a fantasia em cima dele e saí correndo, sem dar satisfações nenhuma à empresa Adeus Dejeto Ltda.

*

Chegando em casa, liguei o computador para procurar um novo emprego e vi que o fodido do José de Jesus Evangê havia criado uma postagem no grupo do Facebook do ensino médio. O post consistia em um vídeo meu surtando, fantasiado de cocô, e já tinha 59 comentários. Usei a regra básica da internet de "nunca leia os comentários" e desliguei o computador com um tapa no estabilizador.

Foi aí que meu celular apitou e, para meu total desespero, uma mensagem do ladrão de empregos, Tiago Santos, apareceu na tela com o link do meu vídeo em uma página conhecida de memes e o seguinte comentário "adorei seu vídeo kkkkk tão engraçado que viralizou na internet!!! na verdade, eu mesmo que viralizei ele".

Pois é, o bunda mole do Tiago tinha ressuscitado das cinzas do inferno só para zoar com a minha cara. E esse é o fim deste capítulo, porque ele não tem como ficar pior.

AS DESVENTURAS DE UM BORDERLINEOnde histórias criam vida. Descubra agora