TRACK 3

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Minha voz ressoava a música, com uma raiva minuciosa, num toque lento de guitarra.

eu lhe dei tudo, que eu tinha
mas não sabia nem se deveria
era tudo novo para mim
mas foi miserável da minha parte
pois tudo que queria era ele,
me tomando
então quando ele se foi,
você era tudo que eu tinha


Aquela era apenas uma canção pessoal demais, e por isso, descartada. Mas eu consigo lembrar vividamente de quando a compus. Eu estava presa o dia inteiro dentro de um estúdio enquanto gravava um álbum inteiro para o antigo canal no qual trabalhava na adolescência, e foi durante o intervalo das gravações que eu achei um pedaço de guardanapo e comecei a riscar meus sentimentos, o qual foi se formando, embrulhando, e então virando uma letra formada.

Puxei a guitarra para mim, ignorando as canções bobas de amor que escreveram produzidas para mim, e então comecei a cantar, e a cada palavra saía da minha boca eu chorava. Hoje, eu penso nessa letra como uma coisa infantil, mas durante aquele momento, para uma garota descobrindo metade do mundo, ela era algo poderoso.

E não me restava dúvidas, eu acho que realmente amei somente uma vez.

Seu nome era Milo, e eu sou convicta que ele foi o homem mais lindo e perfeito que pisou nesse mundo. Mesmo eu sendo nova, tinha a certeza de que ele era alguém único e nunca acharia uma pessoa que o substituísse em minha vida e dentro do meu corpo. Nunca acreditei que esse pensamento mudaria, as minhas lembranças eram bastante vividas provando o quanto eu estava amando.

Quando deixo o olhar perdido, as vezes penso na sua imagem. Ela é sempre tão dolorosamente viva na minha mente.

Penso em sua pele dourada e brilhante, o cabelo extremamente preto, tão bonito e hidratado quanto um comercial de shampoo, mas o que realmente me intrigava, me deixava obcecada nele era seus olhos também escuros e castanho de tom café, olhar para eles era cair numa profundidade infinita e isso me viciava. Eu ficaria fazendo isso o dia todo se pudesse em nome do meu prazer de tê-lo só meu.

Os detalhes brotam, e o pensamento de que eu estou lembrando demais é desperto. Sinto uma dolorida saudade arder no meu peito, contrastando com a raiva quase virando ódio que eu também sentia. Solto um suspiro, decidindo continuar a recordar do passado, á fim de sentir a endorfina que não possuía mais.

Como descreveria Milo? Eu poderia estar descrevendo um velho de quarenta, mas era só um cara chato, que tudo que fazia era se dedicar aos seus estudos, amava números, jogava xadrez e nos domingos ele gostava de assistir FÓRMULA 1.

Aonde isso é algo potencialmente interessante?

Ele possuía beleza, olhos profundos e era só isso, acabou. Não havia nada mais que ele pudesse oferecer para ao meu mundo superficialmente midiático. A verdade era que seu carisma para mim, literalmente, significava ser comum, isso era que o tornava tão especial aos meus olhos sedentos.

Ele não tinha a vida movimentada que nem a minha, se andasse numa calçada, não haveria ninguém para gritar histericamente seu nome ou prestes a fazer tentativas invasivas para se aproximar de seu espaço pessoal, tentando quebrar a barreira curta para tocar sua pele. Sua vida não possuía o terror de acordar sendo exposto sem consentimento em alguma foto íntima ou detalhes que você não queria que viesse a público.

Acho que talvez, esse homem nunca seria capaz de saber das mazelas que era viver a vida como fosse obrigado a satisfazer seres desconhecidos, e bem, eu o invejava muito.

Essa inveja significa uma coisa, que eu vivia um eterno reality show e isso era exaustivo. Cada pedacinho do que eu amava, fosse a arte, moda ou a atenção visada sobre mim, parecia estar ficando sem graça apesar dos meus esforços em ver cores sobre elas. Eu as amava, mas até que ponto, eu precisava me sacrificar tanto, a ponto de nem saber mais se eu estava vivendo direito?

MISS AMERICANA Where stories live. Discover now