— Estou bem, não se preocupe. — Tentei sorrir. — Onde está Caeda?

— No outro lado do corredor. — Respondeu Viessa, que pairava em frente à porta.

— E onde eu estou? — Olhei para a quantidade de lençóis enrolados no meu corpo. Talvez eu roubasse algum para colocar em meu quarto.

— No centro de repouso do Ferro-Velho. — A voz desconhecida tomou corpo, aparecendo ao meu lado como um homem alto e comprido. — Ao menos é assim que chamam, para não dizer "o lixão de pessoas doentes do Ferro-Velho".

Seu cabelo, ou ao menos o pouco de cabelo que tinha, assumia um tom cinzento da meia-idade. O corpo alaranjado era composto de pequenas bolinhas escuras conforme descia de seu pescoço até sua longa cauda de salamandra atrás das pernas. Um médico, deduzi, ao notar o jaleco cobrindo seu torso e o monóculo pendendo na gola da blusa de baixo. Era belo, com seus olhos escuros e traços finos que perduravam através da idade.

— Não sabia que existia um lugar assim por aqui. — Comentei, ignorando o mofo nas paredes e a ferrugem dos objetos clínicos ao nosso redor.

— Não costumamos vir aqui a passeio. — Viessa cruzou os braços. — Se importaria de me dizer o que diabos vocês dois estavam fazendo no meio de um ninho de sereias, em pleno inverno?

— Caeda mencionou uma pérola gigante e... algo sobre salvar Primavera. — Lembrar de minha irmã, e consequentemente de meu pesadelo, gerou-me um forte incômodo nas têmporas que me obrigou a me levantar. — Falando em Primavera, temos de agir logo, Viessa. — Andei de um lado para o outro, tentando organizar os pensamentos. — A cada segundo que passamos parados... Para me usar como isca... Precisamos de uma reunião familiar. Isso! Algum ambiente onde todos estejam presentes, e que seja fácil para você se infiltrar. Um baile, uma... Isso! Uma festa!

Viessa franziu o cenho.

— Você não está fazendo tanto sentido, princesa. Tem certeza que está bem?

Sua voz denotava uma preocupação que eu nunca havia sentido de Viessa, mas minha cabeça estava tão embrulhada de pensamentos que me forcei a ignorá-la.

— Oleen, você deveria se deitar... — Concordou Elly.

— Não, eu estou bem. Eu só tive uma hipotermia leve. Nós, fungos, somos resistentes ao frio, então não deve ter sido menos de trinta e quatro graus...

— ... vírgula seis —, complementou o médico. — Ainda assim...

— Tenho certeza de que Caeda está bem pior que eu. Aves não foram feitas para a água. Doutor, o senhor poderia me trazer uma bebida quente? Água fervida é o bastante.

— Eu...

— Vou ver Caeda. — Enrolei meu corpo em um dos lençóis antes de sair, percebendo os pequenos curativos onde minhas unhas quebraram.

— Alô, eu sou o médico aqui.

— Vou com você. — Viessa me segurou pelo tecido que me cobria. Ao mesmo tempo que me forçava a me mover mais depressa, parecia até querer me sustentar em pé.

— Alguém sequer está me vendo? — A voz do doutor ficava mais fraca conforme eu e Viessa andávamos pelo corredor.

Seu toque, mesmo que separado pelo lençol, preencheu meu rosto com aquela sensação familiar de quentura, fazendo-me lembrar do que as sereias tanto fizeram questão de jogar contra mim. Sendo verdade ou não, aquele momento no fundo do mar seria um segredo que eu me forçaria a esquecer.

— Oleen. — Em algum momento, a morena decidiu interromper nossa missão e me parar no corredor. — Eu odeio fazer isso, porque ando te agradecendo até demais, mas... — Com as mãos em meu ombro, ela suspirou, próxima o suficiente para que eu sentisse o ar quente de sua respiração em minha pele. — Caeda me contou o que aconteceu. Obrigada por salvá-lo.

O Fim de OstaraOnde as histórias ganham vida. Descobre agora