Capítulo 1

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O palácio possuía lugares diversos para se esconder. Fosse no jardim, no labirinto, atrás de uma pilha de livros ou em algum corredor daquele imenso amontoado de pedras, era fácil passar despercebido.

O problema é que pessoas invisíveis não têm muito o que fazer.

— Vossa Alteza. — A voz da criada ecoou pelas paredes frias e altas da biblioteca, acompanhada pelos estalos de seu tamanco no chão. — Seu chá.

— Obrigada. — Curvei ligeiramente a cabeça, dando a entender que estava lendo um dos livros à minha frente. Se fosse verdadeiramente honesta, já havia memorizado cada palavra escrita ali.

Havia uma porção enorme de outras opções para ler, mas nunca me interessei por ficção, história ou política. O que fazia meus olhos brilharem era, na verdade, o estudo da botânica, da herbologia e da cura. Meu interesse, no entanto, era muito específico e não muito explorado por escritores, o que me obrigava a reler as mesmas informações de novo e de novo.

A bandeja foi cuidadosamente pousada ao meu lado, e o ar quente do chá deixou uma nuvem nublada na janela. O tempo outonal cobria o reino com um lençol de neblina gélida, mas ainda se podia ver uma ou outra luz vinda da cidade.

— Você sabe onde está Primavera? — Perguntei despretensiosamente.

— A princesa Primavera está em sua lição de cítara, Alteza.

Tentei virar discretamente meu rosto para longe de seu campo de visão, de modo a não expressar nitidamente meu descontentamento. Todos ali tinham algo a fazer, algo maior que eles. Até mesmo Primavera, a caçula de nós quatro, descobrira sua verdadeira paixão, e eu, por outro lado, não tinha ambição alguma. Seria infantil invejar a própria irmã? Ou sentir ciúmes de seus afazeres, por me tornarem tão solitária?

Eu culpava aquele lugar, e, em especial, meu pai. O rei Bekko não deixava Teodas, Yrhena e Primavera descansarem; sempre que Teodas voltava de suas viagens, Bekko o jogava para algum trabalho beneficente na cidade. Yrhena vivia na sala de reuniões, mesmo não havendo guerra alguma para se discutir no momento, e Primavera, sempre que superava os ensinamentos de um tutor, era colocada para aprender mais um instrumento, ou a polir seu conhecimento com um tutor mais competente que o antigo.

Quando toda a sua família vive trabalhando, parece que você mora completamente sozinha.

Algumas luzes provenientes da cidade começaram a piscar alegremente, causando uma certa euforia na criada ao meu lado. Se eu forçasse meus olhos contra a janela, poderia enxergar algum movimento por trás da neblina, mas a cidade era distante demais da montanha do palácio para que eu conseguisse identificar uma silhueta sequer.

— Está havendo alguma coisa na cidade hoje? — Perguntei, observando a mulher à minha frente assentir com a cabeça.

— Há um festival no centro, hoje, para comemorar a vinda da chuva. Todos os Volvas do reino estarão lá.

Os Volvas eram pessoas que não nasceram bruxas, mas devotaram suas vidas à deusa Freya para seguir um caminho espiritual, especificamente através da prática da magia Seidr. Através da magia Seidr, eram capazes de se comunicar diretamente com os Deuses, trazendo-nos, em retorno, profecias, bênçãos e agouros. No Reino Fúngi, ou talvez até em todos os reinos do mundo de Rag, Volvas eram os bruxos mais sagrados e respeitados.

— Você vai? — Perguntei.

— Eu trabalho, Vossa Alteza. — Ela murmurou, cabisbaixa, em retorno.

— Deveria ir. Eu aviso que te liberei. — Sorri. Seu chapéu de cogumelo cobria toda a testa, mas ainda se podia ver um sorriso radiante em seus lábios.

O Fim de OstaraWhere stories live. Discover now