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Estou tomando meu café da manhã quando batem na porta.

- Deixa que eu atendo - digo enquanto caminho até lá.

Assim que abro um homem me entrega uma pequena caixa retangular e me pede para assinar o papel de entrega.

- Obrigada - agradeço e fecho porta - EVA  - grito enquanto caminho até a cozinha novamente - Chegou uma encomenda pra você.

- Ah querida, é pra você - sorri de forma meiga - Abra.

Ponho a caixa na mesa e começo abri-la.

Não.

Me aproximo para abraçá-la.

- Obrigadaaa - a aperto enquanto sorrio.

- Faz três semanas que você vem sobrevivendo a base de livros querida, então fui na loja e pedi que entregassem o celular aqui, gostou ?

- Amei, mas ainda sim vou continuar lendo, eu preciso dos livros mais do que de ar.

- Querida você já está sobre os efeitos dessa droga mortal, noite passada eu fui tomar uma água, e escutei você gritando por não ter como comprar um Atlas na Shopee, sendo que aqui em casa tem.

- Você entendeu errado Eva, eu tava falando de uma pessoa, não de um livro de geografia, que aliás é odioso, quem caralhos gosta de geografia?

- Ok, tanto faz - coloca o indicador nos lábios como se pensasse em algo - Ah, espere um minuto.

Sento e continuo comendo enquanto configuro o celular.

O primeiro APP a ser instalado é o meu laranjinha favorito.

Assim que acabo de comer e configurar o celular, Eva me entrega uma sacola preta.

A olho confusa e abro.

- Não precisavaaa - dou outro abraço apertado nela - Vou usar muito esses fones pra ler em silêncio, ou não dependendo do livro - sorrio mentalmente - e amei essas capinhas, são lindas obrigada, mesmo.

- De nada querida - sorri - Ah já ia me esquecendo, suas aulas começam amanhã na segunda - força um sorriso - Connorvaitelevar - diz rapidamente e anda em direção a sala.

- Espera, oi ? Não entendi.

- Connor vai te levar.

- AAAAAA - grito - o pesadelo começou.

- Pode parar com essa gritaria, nem parece que vocês tiveram que se aturar a noite toda trancados, e pelo que eu vi, tinha funcionado, uma solução a pouco prazo eu diria.

- ENTÃO FOI VOCÊ !? Não acredito Eva Creusa Willians.

- Meu nome não tem Creusa Lilith, e outra, vocês estavam em pé de guerra, e dava pra perceber uma total tensão sexual ali - continua - então só queria dar uma mãozinha, e parece que deu certo, porque quando chegamos ele estava praticamente em cima de você. Não tente negar.

- Chega desse assunto, Cristo que constrangedor Eva, nunca mais fale tensão sexual. NUNCA.

- Tesão ?

- NÃO, NÃO DIGA NADA. Não tem um nós Eva, nunca vai ter, posso citar vários motivos, você quer ?

- Cite cinco querida.

- Ele é burro, idiota, sem coração, dissimulado, bocudo, chato, grosso, já falei burro ?

- Tá bom querida, não precisa citar mais nenhum. E você querendo ou não ele vai te levar sim pra escola em tempo indeterminado, sejam amigos ao menos.

- Tenho escolha?

- Não.

- Ok, vai servir de muita utilidade os fones, vieram na hora certa.

Subo para meu quarto e vou direto ao banheiro.

Tiro as peças de roupas do meu corpo e ligo o chuveiro.

Desamarro meu cabelo do coque que havia feito e entro debaixo da água.

Sinto as gotas escorrerem em meu corpo me fazendo relaxar.

Deixo toda a tensão de meus músculos se esvair.

O vapor das gotas quentes embaçam o espelho deixando só minha sombra visível.

Meus pensamentos rodeiam o mundo e as suas peculiaridades.

Saio do transe quando meus pensamentos rodeiam o dia da morte de minha mãe.

Tudo pode mudar em questão de segundos.

Escorrego meu corpo pelo piso e sento no chão.

Abraço minhas pernas e deixo o jato de água quente fazer efeito.

E então me perco novamente em minha nuvem cinza, ela é instável como os dias tempestuosos, e não se sabe ao certo quando vai aparecer, mas quando aparece leva grande parte das coisas.

Essa nuvem poderia descrever uma enorme parte de mim, já que tudo na minha vida nunca foi estável.

Anão ser pelo meu primeiro garoto, que não foi o primeiro.

Ele foi o relacionamento mais estável que eu tive, de duas semanas.

Não durou muito porque ele queria coisas que eu não poderia dar.

E o que eu queria dar, não era o suficiente.

Conheci o Matias em uma das noites que meu pai entrou em meu quarto.

Assim que ele acabou, pulei a janela e saí sem rumo pelas ruas.

As lágrimas escorriam enquanto eu caminhava e tentava afastar aquilo de minha cabeça.

O vi em uma pista de skate com seus amigos.

Me aproximei e me enturmei.

Fiquei bêbada e chapada.

Assim que seus amigos saíram, fui até a casa dele.

Naquela noite decidi transar com Matias porque aquilo e as drogas me fizeram esquecer.

Então todas as vezes que meu pai entrava em meu quarto eu pulava a janela e me embebedava com Matias.

Aquilo me dava uma falsa ilusão, me enganava, e eu gostava.

Eu gostava de não sentir o corpo de meu pai no meu e gostava de sentir que suas mãos já não estavam mais sobre mim.

Mas aí Matias queria mais que algo casual, e eu nunca poderia ser de ninguém, porque eu não era nem minha.

Ele foi o primeiro de muitos.

E aí quando nada estava mais fazendo sentido procurei por mulheres, e várias passaram por mim, mas ninguém foi capaz de tirar aquilo de mim.

Então encontrei forças na literatura e na dança, mas não dançava em casa por um motivo óbvio.

Ficava horas e passava dias sem comer lendo e saindo da minha realidade, e quando ele não estava colocava meus fones e dançava, dançava como se não houvesse amanhã.

Mas um dia ele viu, e o final todos sabemos.

Mas nem isso foi capaz de me parar.

Desperto de meus devaneios e levanto.

Desligo o chuveiro e envolvo a toalha macia em meu corpo.

Paro de frente ao espelho e passo a mão para enxergar meu reflexo.

Tudo que vejo é uma desconhecida.

Uma pessoa vazia, que mente pra si todos os dias na esperança de se tornar realidade.

Mas que mesmo depois de tudo continua com um sorriso no rosto quando tenta lidar com seus demônios interiores.

O Meu Vizinho Where stories live. Discover now