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Assim que abro os olhos a luz do dia me faz os fechar novamente.

Não sei quanto tempo se passou, mas assim que recrobro meus pensamentos, eles se voltam para o dia da morte de minha mãe.

Lembro como se fosse hoje de seus olhos sem vida.

Isso me parte em novos pedaços, não sei ao certo quantos.

Mas eles me causam uma dor enorme em meu coração.

Minha visão percorre todo o cômodo.

Estou em um quarto de hospital.

Mas em um bom hospital. A cama é confortável, e tem flores em uma mesa, são cheirosas.

Levanto.

Meus pés vão de encontro ao chão gelado, o que arrepia meu corpo.

Começo a caminhar em direção a porta e a cada respiração sinto minhas costelas doerem, levanto a blusa e vejo um hematoma enorme em minha pele.

Levo minhas mãos até ele, assim que eu encosto solto um gemido de dor.

Escuto a porta se abrir, e vejo uma mulher entrar.

Seus olhos curiosos vão de meu rosto até o hematoma em minha pele.


Imediatamente abaixo a blusa.

Fico com receio, não sei quem é ela, então começo a mexer na fita de meu pulso.

Meu rosto deveria estar horrível, pois ela começa a chorar.

Odeio que sintam pena de mim, me sinto uma eterna criança, mostra meu lado fraco, e a última coisa que sou, é ser fraca.

Em todos os anos de minha vida tenho aguentado muito, mas não dá motivo pra ninguém me enxergar como vítima.

Eu sou uma sobrevivente, não preciso de pena, posso viver com o que eu passei porque tenho a consciência de que não é minha culpa.

A culpa nunca vai ser nossa.

A mulher se aproxima de mim e recuo.

- Calma - sua voz sai rouca e baixa, como se sentisse a minha dor.

Como se soubesse o que é passar pelo que eu passei.

Meus olhos se enchem de água involuntariamente, mas não deixo elas caírem, ela se aproxima.

Ficamos cara a cara.

Quando sou envolvida em seu abraço me sinto confortável e segura.

Me desmancho contra minha vontade e deixo ir embora todo o peso de meu coração, é pouco para o que tenho guardado em minha alma.

Mas me alivia.

- Acabou querida - sua voz rouca tem um sotaque estrangeiro.

Não reconheço ela, mas mesmo assim me sinto acolhida.

Me afasto de seu abraço e a encaro, seu rosto me remete a minha mãe, os traços marcantes são os mesmos.

- Quem é você ? - pergunto e vejo seu rosto se contorcer em mais lágrimas.

Assim que se acalma responde com tristeza.

- Sua avó querida - me sinto confusa, minha mãe nunca havia mencionado minha vó.

Sempre que eu perguntava ela fugia do assunto e nunca me falava.

- Nós morávamos nos Estados Unidos querida, digo, eu e sua mãe - mais silêncio - Até seu pai aparecer na vida dela, nunca gostei dele pois ele sempre se mostrou agressivo e perigoso - a cada respiração minha uma dor se dilacerava em meu peito - E-eu fiz o que pude para separá-los, mas não foi o bastante, eles fugiram para cá longe de mim e nunca tive notícias deles, até que um dia - mais silêncio.

- Sua mãe me ligou, eu fiquei feliz pela ligação, mas logo depois uma angústia cortou meu peito, ela me contou tudo que passou, e me disse que tinha uma filha, me pediu pra cuidar de você caso acontecesse alguma coisa com ela - meus batimentos se aceleram e minhas mãos começam a tremer - eu insisti para que fossem morar comigo e pedi a localização de vocês para que eu fosse buscar você e sua mãe, mas ela desligou.

- Durante anos fiquei a procura de vocês,  angustiada todo esse tempo sem notícias, de repente eu soube onde vocês moravam mas já era tarde demais.

- Sinto muito por não estar presente em sua vida e deixar você passar por tudo isso, mas agora que te tenho em minhas mãos eu prometo te proteger e fazer tudo isso passar. Você aceita vir comigo querida?

Não consigo pensar que poderia não ter passado tudo isso se minha mãe fosse menos ignorante.

Meu coração dói pelo fim que tivemos, poderia ter sido tudo diferente, mas não foi.

Acabou. Acabou Lilith.

Acabou.

Repito isso várias vezes até ter certeza que isso não vão voltar a me atormentar.

- Sim.

Ponho um ponto final nessa fase da minha vida e a tranco no lado do esquecimento.

***

Ganho alta no segundo dia.

Ainda não sei o que pensar, não parece realidade, não parece a minha realidade.

Não consigo acreditar que estou partindo do lugar que adoeci.

Mas posso afirmar uma coisa, é libertador. É libertador sentir que não vou precisar sentir tudo aquilo de novo.

Não voltei em casa pra pegar minhas roupas, parti com as roupas do hospital, e sem arrependimentos.

Foi mais fácil assim.

Eva, minha vó, não precisou legalizar nada pois eu havia feito meus 18 anos, o que seria impossível de esquecer, já que minha mãe morreu nesse dia.

Sempre vou carregar essa lembrança enquanto vivo minha vida longe daqui durante todos os anos.

Estou no avião, ao lado de minha vó aproveitando a paisagem e vendo tudo que estou deixando pra trás.

- Querida, quanto a escola, não precisa se preocupar, lá tem várias que ensinam inglês a estrangeiros

- Não precisa - a interrompo - eu sei falar inglês, não fui uma adolescente muito sociável, então usava meu tempo pra aprender coisas úteis.

- Ah, ok. Você vai amar a cidade, a praia, a escola, tudo. - faz uma pausa olhando para frente - Vamos comprar tudo novo pra você querida.

Segura minha mão e aperta. Esse jeito me deixa meio desconcertada, já que não fui criada com carinho.

Mas me sinto bem.

Pela primeira vez consigo relaxar.

Com o decorrer das horas adormeço e consigo dormir sem nenhuma tormenta, sem medo de alguém entrar em meu quarto a noite.

O Meu Vizinho Donde viven las historias. Descúbrelo ahora