Capítulo 2 - Magatama: A Cidade Proibida

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Aeroporto de Nova York, 15:36

Aproveitando as vantagens internacionais que possui, por ser filha de um ex-embaixador grego, Elektra chega ao pátio do aeroporto. Com uma roupa pesada e escura, seus olhos buscam uma figura conhecida.

Um funcionário de algo cargo, fardado da Aeronáutica, se aproxima e a cumprimenta. Ele gesticula muito, o que é identificado pela ninja como nervosismo.

A presença de Elektra intimida. Não por ele não saber qual sua real "profissão", mas por sua exuberância e falta de simpatia.

- Sua bagagem já foi levada ao avião. Tivemos um pequeno problema com a alfândega.
- Espero já estar resolvido.
- Claro – trêmulo – está tudo sob controle.
- As malas foram revistadas?
- De forma alguma. Ninguém tem esse poder além de mim. Assim... isso seria uma violação às relações internacionais entre os...
- Obrigada. Preciso embarcar.

Elektra o deixa, a curtos passos. No guichê ela passa direto, irritando, até mesmo, os outros passageiros que se apressavam para não perder o mesmo voo.

Já na primeira classe, na janela, ela olhava o horizonte. A aeromoça se aproxima e oferece algo, o que é rapidamente negado pela ilustre passageira.

A cadeira é reclinada um pouco mais. A ninja fecha os olhos.

Ela queria dormir, mas em seus pensamentos só havia dúvida, incerteza. Para amenizar esse transtorno psicológico, Elektra buscava recordações de alguns dos bons tempos que passou no Japão, já que outras épocas na ilha não lhe fizeram bem, assim como os diversos períodos na China.

Momentos de meditação e descobertas. Seu treinamento com Tsao. Aperfeiçoamento de técnicas e aprendizagem: as armas tradicionais do oriente.

Afinal, não é só porque ela é uma ninja pós-moderna que deve apenas manusear metralhadoras, lançadores de foguetes e outras armas de grande poder de fogo ou de destruição.

Espadas, sais, shurikens, nunchaku... Utensílios essenciais para um guerreiro oriental.

Com Tsao ela deixou de ser Wei Piao [1] para se tornar Men T'u Mi Te [2].

Uma mão lhe toca o ombro.

No pensamento, o saque rápido de uma faca escondida sob o casaco felpudo amputava a parte do corpo de quem lhe incomodou.

Mas sua única ação – real – é olhar, sério, para o lado.

- Posso me sentar, senhorita?
Olhar de reprovação.

- Não, não pode.
- Este lugar está, por acaso, reservado?
- Está. – a mão esquerda busca a faca.
- O que custa me dar o prazer de sua companhia?
- Sua vida.

O homem, assustado, se afasta, pedindo desculpas.

Elektra chama a aeromoça e diz que se for incomodada mais uma vez ela vai derrubar o avião. A mulher, sem graça, pede perdão e sai.

A assassina fecha os olhos novamente e tem a imagem da sua briga com Cao Li e com a Contratante misteriosa.

O confronto aconteceu dias atrás, quando Setsuko contratou Elektra para eliminar uma agente chinesa, responsável pelo roubo do Magatama – símbolo imperial japonês. Elektra encontrou a espiã em Cingapura depois da briga, retornou para os Estados Unidos e descobriu, através de Tsao, o plano da Contratante. [3]

Pequim, China

Pequim, a capital chinesa, é a cidade que oferece o maior número de atrações turísticas aos visitantes. São 7.862 lugares históricos, alguns deles tombados pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade.

Na capital chinesa, Elektra se hospedou num luxuoso hotel e descarregou as armas em cima da cama. Ao lado, um pergaminho passado pelo antigo mestre japonês, ainda em Chinatown, com as poucas informações sobre Xia Nai e onde ele poderia estar.

A ninja se despe e vai tomar um banho. Brinca com o sabonete em seu corpo e também o faz de arma, ao atirá-lo e derrubar os frascos com shampoo e creme para os cabelos.

Findo o banho, Elektra se joga na espaçosa cama para relaxar os músculos, derrubando as armas e o papel de arroz ao chão.

Ela dorme algumas horas.

Se espreguiça e ouve todos os seus ossos estalando.

Ela está pronta.

Apenas de calcinha e sutiã, a ninja pega os dois sais e inicia um treinamento.

Ela roda as armas.

Finge um duelo.

Até arremessá-los. Como consequência, o pedido de uma nova cama.

Uma outra olhada no pergaminho e a confirmação do lugar a ser visitado com possível chance de encontrar Xia Nai: a Cidade Proibida.

Imaginando a quantidade de transeuntes, entre moradores e turistas, não usaria a roupa vermelha. Mas levaria uma faca escondida na calça.

Cidade Proibida

A Cidade Proibida guarda o maior complexo de palácios do país. Participaram da construção, reza a lenda, mais de um milhão de empregados. Entre 1420 e 1911 foi residência das dinastias Ming e Qing, e quem ultrapassasse seus muros era torturado e morto. Sua arquitetura milenar serviu como cenário para o filme O Último Imperador, de Bernardo Bertolucci. O Palácio Imperial, como também é conhecida a Cidade Proibida, abrange uma área de 720 mil metros quadrados, possuindo 800 edifícios e 9.999 cômodos. Este complexo representa o mais grandioso, suntuoso e completo conjunto arquitetônico da atualidade existente na China. São salões, pavilhões e jardins incrustados em pleno centro de Pequim, rodeados por um muro de dez metros de altura e um fosso de 52 metros de largura, ocupando uma extensão de 3.800 metros. Quase totalmente construída em madeira, a Cidade Proibida chama atenção pelos tradicionais telhados encurvados, cores marcantes – com predominância do amarelo – e um gigantesco retrato de Mao Tsé-tung...

Elektra está parada, olhando diversos praticantes de artes marciais ensaiando golpes pelas ruas. Tenta identificar o estilo, a sequência e até ver se acompanha-os no treinamento. Em pensamentos, claro.

Ela caminha um pouco mais, se afastando do sol e da multidão. Para frente a uma pequena praça, descuidada até para o padrão chinês.

- Uã ãn. [4] Você chegou.

Susto. Elektra se vira.

- Pensei que não apareceria mais.

A ninja cerra os olhos, tentando identificar quem é a pessoa que lhe fala.

- A arma disputada... regressa à China.

Uma senhora, bem velha, de roupa tradicional, está parada, já próximo à assassina. A ninja busca a faca com a mão.

- Não precisa disso. Não se deve machucar quem oferece ajuda.
- Ajuda? Eu não preciso de ajuda.
- Sim, precisa. Precisa para encontrar o que tanto procura.
- A senhora sabe, por acaso, se eu procuro algo?
- Mas é claro. Qual outro motivo te traria aqui novamente?

Elektra anda pra frente e fica cara a cara com a senhora.

- Quem é você, velha?
- Você quer um homem... que já foi seu...
- Como? - olhos lacrimejando.
- O passado não voltará a ser presente, e tampouco será futuro... Elektra!

A ninja saca a faca.

- Quem é você?
- O homem que você procura não é o que está soterrado no seu coração, não é?
- O que você... - com a faca em punho.
- Quem você busca também é seu Destino. Só que de uma maneira egoísta. Você o quer para obter respostas.

A ninja abaixa o braço e guarda a arma branca.

- Eu sei onde ele está.
- Me diga.
- O que você vai fazer com o Magatama?
- Não interessa. Onde encontro o homem?
- Procure o orbe da vida que une.
- Não me venha com enigmas. Onde está Xia Nai?
- Se achar o orbe que liga, o encontrará.

Fogos de artifício explodem no céu de Pequim. Elektra, por reflexo, vira para ver o que acontece, mas, segundos depois, descobre que a idosa sumiu.

A ninja corre pela praça, procurando-a.

Sem sucesso.

De volta ao hotel e depois de uma pequena refeição, Elektra deita na cama.

Agora são mais pessoas no seu pensamento, tumultuando a consciência. Cao Li, Tsao, Setsuko, Xia Nai, a velha... e Demolidor.

Não há como descansar, apesar de estar tudo escuro no quarto.

Ela insiste, forçando o sono, fechando os olhos.

A cena da Contratante lhe dando o serviço e em seguida tentando matá-la confundia Elektra. Nada estava explicado.

Uma sensação estranha lhe corria as veias. Sua pele estava molhada pelo suor e seu corpo rolava pela grande cama.

Inclusive, por causa do sumiço repentino daquela velha.

Sem hesitar, a assassina levanta. Pega uma sacola e coloca alguns utensílios. Na sequência, veste a roupa vermelha. Os olhos profundos revelam o descontentamento. Ela pega as armas sai e se joga pela janela.

De volta à Cidade Proibida.

A ninja caminha pelos mesmos locais por onde passou mais cedo, até chegar à praça onde foi abordada pela mulher.

A bolsa cruzando as costas. Os sai nas mãos ágeis.

Elektra repete em pensamento as palavras da velha: "procure o orbe da vida que une, que liga".

Nas ruas desertas e quase escuras a ninja caminha buscando o que poderia ser a reposta para este enigma.

Som de água corrente.

O olhar revela a satisfação.

Lá estava a Ponte Curvada, que tem um formato semicircular perfeito, que, segundo especialistas, é uma obra-prima da engenharia.

A Ponte tem o mesmo formato do Magatama.

A ninja se aproxima.

O silêncio é quebrado pelo balanço do vento nas árvores quase secas.

Elektra move o corpo rapidamente para a direita, como se estivesse se esquivando.

Os punhos em posição de defesa.

Nova esquiva para a direita.

Um vulto rápido corre ao seu redor.

A assassina não se move, aguardando o momento ideal para agir.

O vulto a contorna mais duas vezes. Na terceira, um chute certeiro. Um corpo no chão.

- Eu já desconfiava de você.

A velha, deitada, ergue o corpo.

- Eu sabia que você ia voltar, Elektra.

Num movimento ágil, a mulher idosa fica em pé.

- Sabemos que foi você quem roubou o Magatama.
- Sabemos?
- Por isso veio para cá e tanto procura Xia Nai; você vai vender a pedra para ele!

A ninja se posiciona para um ataque.

- Não adianta, Elektra. Mentiras não vão resolver. Você veio para a China com esse propósito!
- É bom que...
- Cale a boca!

Elektra aperta forte o cabo dos sai.

- Eu desvendei o seu enigma, mulher. Agora me diga onde encontro Xia Nai.
- Você quem deve me dizer. Não é para isso que você está aqui? Para vender o Orbe da Vida depois de roubá-lo?
- Eu não sei quem é você e nem como sabe tanto sobre mim. Só que não vou deixar que você me irrite mais.
- Não vamos deixar você concluir seu sórdido plano, Arma Letal!

A velha faz movimentos leves, como tai chi chuan. As expressões do tempo em seu rosto se aprofundam mais. Os cabelos grisalhos ainda estavam presos e a roupa tradicional tinha a apoio de uma faixa larga, que lhe envolvia a cintura.

Depois de jogar a bolsa no chão, Elektra salta na direção da velha.

Uma sequência rápida de golpes com a mão aberta interrompe o ataque da ninja.

- Você não é párea para a gente!

Elektra tentava entender o uso do plural quando só via uma pessoa. Seus olhos corriam o local, mas não viam outros.

- Morra, Elektra! Sua traidora!

A velha dá uma voadora que atinge o busto da ninja. Em resposta, a assassina desfere golpes com as armas brancas. A velha rebate todos eles. E depois, a acerta com as mãos abertas.

A ninja prende os sais na cintura e ergue os braços. Olhos fechados.

De repente, ela voa sobre a velha dando chutes e cotoveladas. A oponente foi pega de surpresa.

Um chute na rótula esquerda, uma cotovelada no pescoço. Um soco no estômago e uma joelhada no queixo da anciã, que cai de joelhos.

Elektra pega os sais.

Ao preparar o golpe fatal é derrubada por uma rasteira.

A velha corre para a Ponte Curvada e a atravessa. Elektra vai para a mesma direção, assim que levanta.

Ao chegar à Ponte, para. Tudo treme. Um nevoeiro denso cobre o ambiente. Elektra nada faz.

Ela ainda não tocou no piso da construção; não consegue ver para onde ir.

Mas ela vê o vulto da velha envolto no nevoeiro. Seus olhos abrem mais do que o normal quando aquela figura que parecia frágil torna-se maior e mais forte, como uma mutação.

- Você teve a chance de morrer ou de se redimir, Arma Letal. Agora não tem como escapar da morte. O Clã Kahama veio ao seu encontro. Você será castigada pela traição.

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N.A - imagem de capa gerada por inteligência artificial.

[1] e [2] Uma vez aceito no treinamento Ninja, não se pode mais recusar. Cada aluno progride de acordo com a sua própria capacidade, através dos sucessivos graus de aprendizagem, até alcançar o nível em que pretende ficar. O Sistema ninja de Graduação consiste em Leigos (Wei Piao - observadores, assistência) / Genin / Chunin / e Jonin (Men T'u Mi Te - discípulo dos segredos).
[3] Veja na primeira edição de Elektra!
[4] Uã ãn quer dizer "boa noite" em chinês.


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