Capítulo II

8 2 0
                                    

A viagem pela floresta era calma. Eu gostava do barulho das folhas, dos sons dos primeiros pássaros que cantavam pela manhã e das folhas secas sendo esmagadas pelos nossos passos, exceto pelos de Anne, suas bufadas raivosas espantando os insetos e seus passos duros faziam um barulho extremamente irritante a ponto de até mesmo Suzanne revirar seus olhos algumas vezes do meu lado. Anne estava irritada, obviamente, e talvez fosse com razão, já que antes de irmãos embora, voltamos aonde ocorreu aquele assassinato cometido pelas minhas mãos e o corpo havia sumido.

— Tem certeza que matou ele...? — Indagou ela, o tom de voz levemente rude.

— Quatro tiros na cabeça é meio difícil de não ter certeza, não acha? Ele era um espião soberano, ou foi arrastado por animais, ou os soberanos decidiram que ele merecia uma cremação digna. — Retruquei naquele mesmo tom que ela teve ao perguntar.

— Você não sonhou com nada na noite passada..., mas estava sonâmbulo, ficou parado na porta. - Anne parou de andar, Suzanne quase esbarrou em seu corpo pela parada brusca que ela nem sequer entendeu o motivo.

— Eu não dormi. Não estava sonâmbulo, estava acordado. — Respondi, ajeitando a mochila em meu ombro.

— Devia ter dormido, poderíamos ao menos saber se os soberanos estão atrás de nós. - Anne estava uma pilha de nervos, embora sua cabeça estivesse melhor com o curativo de sua mãe, ela não havia pregado os olhos a noite, assim como eu.

— Eu não sou a porra de um oráculo, meus sonhos já erraram, não fique contando com isso.

— Já chega! Vocês dois mesmo sendo adultos ficam discutindo como crianças! Estou velha! Já está chegando ao meio-dia e quero achar ao menos uma gruta sem goteira sobre a minha cabeça, então a não ser que vocês queiram discutir comigo nas costas de alguém, é melhor continuarmos andando.

— Desculpe, Suzanne... — Dissemos em uníssono.

Anne passou a andar do meu lado e Suzanne ao lado dela. Hora ou outra ela me empurrava com o ombro em tom de brincadeira, até que Suzanne avistou fumaça acima das árvores na linha do horizonte. Nós paramos, a beirada de uma montanha que coincidentemente havia uma caverna, mais como um buraco não muito fundo que cabia três pessoas deitadas.

— Pode ser outra vila. - Disse Suzanne.

— Melhor não pararmos lá. Vamos seguir até achar uma cidade grande onde podemos nos misturar. Alguma residência de um dos pilares já ia ajudar. - Eu soltei a mochila na caverna, sentindo alívio do peso nas minhas costas. Anne fez o mesmo, suspirando enquanto ajudava Suzanne a se sentar em uma pedra.

— Pela fumaça pode ser uma cidade grande. Ouvi na vila que aqui perto pode ser a residência do pilar do general soberano. Ele deve morar ali, devemos ter cuidado. - Anne tirou a faca da cintura, a cortando um pedaço de carne desidratada e colocando na boca.

— General soberano... O mais tirano e insano da linhagem Krav... mais um motivo pra ficarmos por pouco tempo ali e escondermos nossas marcas muito bem. - Suzanne apontou o braço de Anne, vendo a tatuagem de triângulo idêntica à minha. - Ele não deve gostar de soldados desertores...

— Que se dane o que ele gosta. Vamos ficar seguros se nos tornarmos mercadores, podemos caçar e vender peles, ouvi grunhidos enquanto andávamos, lobos talvez? Vendem bem. — Eu sorri levemente esperançoso, mas sabia bem que aquela esperança seria apagada por uma das duas, ou talvez só pelos acontecimentos dali em diante.

Anne sorriu também, tocando o meu rosto como se tivesse acabado de ouvir uma ideia tola de uma criança, o que me deixava furioso, mas não demonstrei. Recolhemos nossas coisas ali, me aprontei a pegar lenha, Anne a fazer um arco improvisado, abatendo pássaros para nosso almoço atrasado as luzes estrelares e as nossas duas lindas luas que brilhavam azuladas no céu da tarde. A atmosfera não era tão densa no nosso planeta, podíamos ver claramente as constelações a luz do dia e a olho nu, e as luas estavam sempre lá, embora toda essa beleza resultou em uma vasta lista de doenças respiratórias que os humanos ainda não haviam se acostumado.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Mar 15 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

Trono de Morfeu Where stories live. Discover now