Capítulo 20 - Arcadas excepcionais (parte 1)

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Ou dois.

Ele descia pela garganta da floresta enquanto o hálito de ar fresco atropelava as galhadas e se juntava aos arquejos cansados do grupo. A mente, em alfa, se ocupava nos estudos das plantas mortais dos mais diversos tipos. Cada toxina na seiva, folhas, caules e sementes. O nome delas. Quais órgãos atingiam. O tempo para os efeitos começarem. Tetsurou girava compulsivamente a Dama-do-mar entre os dedos. Ele se perguntava se aquela seria mais uma das espécies que emulavam charme para esconder seus espinhos. Se fosse o caso, Yusuke já teria sido consumido pelo veneno e Tetsurou perdido os sentidos, pois o odor de cerejeira daquela flor mágica era um entorpecente, sentido mesmo horas depois da partida de seu apanhador.

Guardou a flor no seu devido lugar, ajeitando-a no cabelo. Então levantou o olhar para Hikaru e Yusuke, que caminhavam no mesmo embalo há horas, sem parar. Tinham descansado muito pouco desde que saíram da Casa das Raposas, na ilhota habitada por Inari. Os passos ressoavam ao esmagar capim seco em meio ao maciço florestal, no sentido oposto da montanha congelada que indicava o território de Sazanka, e se misturavam à respiração ofegante do curandeiro.

Como se tivesse sentido a fixação sobre si, o samurai virou-se. Os olhares se esbarraram acidentalmente, mas no mesmo instante Yusuke se esquivou e acelerou o ritmo.

"Yuu-chan parece mais motivado... mais como ele mesmo. Já está até me evitando de novo", a frase passou pela cabeça de Tetsurou enquanto perseguia as costas largas cobertas pelo quimono azul descendo pelo relevo. Uma lanterna acesa os localizava, criando sombras irregulares. Claro que Yusuke tinha recuperado sua determinação, estava longe de Zen e rumo à solução de todos os problemas: ir embora de Makai e se afastar de uma vez de quem só o machucou quando era um menino. Mesmo que Yusuke se afastasse de Tetsurou, ele iria fazer de tudo para protegê-lo e, quem sabe, cuidar das cicatrizes feitas dezesseis anos atrás.

Até envenenar alguém?

Era decepcionante ter um "não" pulando em sua mente. Ele argumentava consigo mesmo: desvendar as propriedades curativas da flora de Makai, por mais que conhecesse as flores lendárias e que elas tivessem suas similaridades com Ningenkai, seria um experimento de anos — anos que ele não tinha para gastar deliberadamente. Mas Tetsurou? Tetsurou poderia conseguir, caso se debruçasse sobre os registros de Makai e estudasse por alguns dias. Não era de surpreender que comerciantes das regiões longínquas lhe enviassem cartas; todos reconheciam a capacidade do curandeiro para fazer milagres.

Não foram poucas as vezes em que tratou casos causados pelo mel do néctar de loendros, em que a toxicidade levava à vômitos, dor de cabeça e até à morte; ou quando encomendava óleo de mamona para tratar prisão de ventre, mas os resíduos da semente se tornavam um coquetel venenoso que, em casos extremos, poderiam causar falência nos órgãos. Já havia arriscado a própria pele mais vezes do que podia contar por empatia a quem lhe implorava por uma cura impossível.

Agora, era ele mesmo que implorava por uma solução impossível. Usaria mesmo aqueles conhecimentos para aniquilar vidas?

O arco que mal sabia como segurar voltou a envergar seus ombros, a bolsa que carregava as ervas tornou-se repentinamente mais real.

— Esse é o caminho para o tal lago congelado? Porque a montanha que o Zen apontou está ficando para trás.

Hikaru pareceu não ter escutado. Só pareceu.

— Não me diga que aquela raposa desgraçada achou que um grupo com duas pessoas com um senso de direção digno de pena seria uma boa ideia... — Quando Hikaru continuou ignorando-o, ele cruzou os braços e gritou, fazendo bichos se assustarem e baterem asas dos ninhos: — Quero saber para onde você está nos levando!

Pétalas de Akayama [BL]Where stories live. Discover now