PRÓLOGO

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Novamente, eu estava correndo. 

É. Típico. Todas as histórias sobrenaturais começam assim. 

Bem, na verdade, eu não saberia. Eu não tive lá muito tempo para ganhar interesse sobre esse tipo de história. Minha vida se transformou num desenrolar de eventos sobrenaturais muito cedo e, sabe, quando seu cronograma diário envolve ver coisas assustadoras, escapar da morte por pouco e coisas do tipo, você certamente chega em casa a fim de uma comédia romântica do tipo mais clichê e sem necessidade de raciocínio possível. Filmes de terror são definitivamente a última coisa de que você precisa. 

Mas, dando a César o que é de César, aquele era um dia pacífico. Nada comparado à minha rotina. 

Está bem, eu também não sou lá o cara mais corajoso do mundo, mas aquele dia não era mesmo um dos piores. Esperem para ver o tipo de coisa ao que eu estava acostumado. 

Dentre as mil escadas, portas, salões vazios e corredores mal iluminados, com paredes cobertas por um papel de parede antigo que já descascava, encontrava-me lívido. Meus cabelos pretos escorriam ao lado do meu rosto, alguns fios eventualmente cobrindo meus olhos cinzentos a cada tranco que eu dava na parede no fim dos corredores, ao fazer uma curva. O ar ficava mais raro e a temperatura, mais baixa, à medida em que eu penetrava no labirinto. Mesmo com o calor gerado por todo o esforço, o frio agigantava-se sobre minha consciência e meus dedos congelavam. Eu quase podia ver a névoa da minha respiração. 

A cada vez que eu passava por uma porta ou bifurcação sem dar-lhe atenção, podia ouvir mais um trecho do caminho ruindo às minhas costas: eu não podia voltar atrás. Também não podia me demorar em frente a porta alguma, ou eu seria sugado para dentro dela, sendo a certa ou não. 

— Desta vez tem que ser essa. — Sussurrei para mim mesmo, puxando com vontade uma maçaneta à minha esquerda. 

Não era. Tinha interpretado o enigma erroneamente pela quinta vez naquela noite. Agora eu me via no mesmo lugar em que o sonho havia terminado nas quatro últimas vezes nas horas anteriores. 

As imagens do meu próprio corpo sendo queimado, congelado, esfolado e triturado naquele salão fizeram meu estômago revirar. Já tinha me visto ser queimado três vezes, duas vezes congelado e uma esfolado e pela primeira vez me assistia sendo moído vivo num triturador. Era como assistir a um documentário das cenas de dentro de um abatedouro. Me senti como um dos animais que eram moídos diariamente para fazer salsichas. 

— Ao menos eu não como carne. — Ri com escárnio enquanto esperava a tortura da vez. 

Ao que me parecia, eu seria colocado num caixão para morrer por asfixia. Pelo menos, era o que eu podia interpretar, vendo uma caixa um pouco maior que eu em comprimento e largura e com cerca de 30 centímetros de profundidade. Nada mais havia na sala, exceto as minhas mortes anteriores, perifericamente ao caixão no centro. Mantive a calma e me deitei no caixão, tentando ignorar os gritos que eu mesmo tinha produzido horas atrás ao passar por todas aquelas formas de morrer. 

— Eu podia ter gritado menos. — Dizia novamente, incomodado com os sons agonizantes que chegavam aos meus ouvidos. 

Enquanto esperava algo acontecer, como o caixão começar a diminuir, me esmagando lá dentro, ou se fechar magicamente, visto que não havia tampa aparente, o primeiro deles apareceu. Pequenos olhinhos negros brilhavam e as pinças moviam-se, abrindo e fechando e produzindo um som de "click" a cada movimento. 

— Ah... baratas... — Falei, tentando conter meus tremores. Os clicks começaram a aumentar de frequência quando mais olhinhos foram surgindo ao meu redor e mais patas foram pousando sobre meu corpo. Algumas delas, após me encararem, puseram-se a andar sobre meu rosto e enfiaram suas anteninhas pelas minhas narinas e orelhas, antes das pinças começarem a abrir caminho pela minha carne. 

Sabem aquele pensamento de que este era um dia pacífico? Não tanto quanto eu gostaria.

Lua MinguanteWhere stories live. Discover now