No entanto, à medida que a noite chegava, os momentos a sós com a minha consciência tornavam-se um desafio. A figura do Leonardo ainda era demasiado nítida na minha cabeça, como uma fotografia que temos na carteira, que sempre que precisamos dela, está lá a fotografia, para nós a vermos. Se não era alguém a mencioná-lo por acaso, era alguma coisa que me fazia lembrar dele e isso era ainda um grande problema, com o qual eu ainda não sabia bem como lidar.

Decidi dedicar-me a atividades que me trouxessem alguma serenidade. Pintei, escrevi e li antes de dormir.

O tempo continuou a avançar, e eu estava determinada a não deixar que as complicações emocionais me derrubassem. A semana passou sem grandes sobressaltos, mas eu sabia que o capítulo com o Leonardo ainda não estava encerrado e estávamos prestes a entrar no fim-de-semana, o que queria dizer que seria mais difícil manter-me tanto tempo fora de casa.

Na sexta-feira à tarde, enquanto me preparava para regressar a casa, senti uma mistura de antecipação e ansiedade.

Ao entrar na mansão, ouvi a voz da minha mãe a conversar com o Michael. Estava com pouca vontade interagir, por isso fui para o quarto, deitei-me na cama e fechei os olhos. O meu telemóvel, no entanto, não parava de tocar, interrompendo o meu descanso. Era uma mensagem de Daniel, a convidar-me para jantar amanhã.

O convite do Daniel trouxe-me um certo alívio. Era exatamente aquilo que precisava. Motivos para não ficar em casa.

No sábado à noite, mergulhei num processo meticuloso de preparação para o jantar com o Daniel. Escolhi um vestido elegante que realçava as minhas curvas sem ser demasiado chamativo. O perfume que a minha mãe tinha comprado para mim era incrível e deixava-me cheia de confiança.

Olhei-me ao espelho, avaliando se cada detalhe estava perfeito. Sentia-me nervosa, como se fosse o meu primeiro encontro.

Quando o Daniel apareceu à porta da mansão, fui tomada por um assomo de surpresa. Ele estava absolutamente deslumbrante. O seu gosto impecável realçava a sua elegância, enquanto o sorriso cativante iluminava o ambiente. Era impossível ignorar o quanto ele era atraente.

- Uau, Anna, estás deslumbrante! - comentou, admirando-me de cima a baixo.

Tive de devolver o elogio da mesma forma, porque era realmente verdade, ele estava maravilhoso.

O jantar com o Daniel foi ótimo. Eu sentia-me à vontade com ele e fascinava-me o facto de sermos tão parecidos. Enquanto conversávamos, o som suave de música clássica preenchia o espaço, complementando a conversa que fluía entre nós. Os pratos gourmet eram verdadeiras obras de arte culinária. Eu sabia que ele estava a tentar me impressionar e isso só me deixava cada vez mais convencida de que ele era perfeito.

Quando regressámos a casa, estivemos ainda uns trinta minutos dentro do carro dele a falar. Ele estava a tentar convencer-me a ler poesia vitoriana, mas eu odiava de alma e ele sabia-o.

Quando eu lhe desejei uma boa noite, ele inclinou-se para me dar um beijo. Foi suave e delicado, mas transmitiu uma centelha de algo que mexeu comigo.

- Boa noite, Anna. - murmurou, antes de me deixar ir.

O silêncio envolvia a mansão quando entrei, a escuridão indicava que todos já estavam a dormir. Subi as escadas devagar, ainda envolta na atmosfera do beijo que tinha acabado de trocar com o Daniel. Ao chegar ao corredor do primeiro piso, notei que a porta do meu quarto estava entreaberta. Franzi o cenho, porque recordava-me perfeitamente de a ter deixado fechada.

Ao empurrar a porta, fui invadida por em cheiro forte a tabaco. O Leonardo estava ali, encostado à janela, com um cigarro entre os dedos. A luz fraca da lua filtrava-se pelo vidro, criando uma aura misteriosa ao seu redor.

- O que estás a fazer aqui? - o incómodo na minha voz era evidente.

Ele deu uma passa no cigarro, soltando lentamente o fumo antes de responder.

- Desde quando é que namoras com aquele tipo? - a sua voz era grave e cheia de tensão.

Eu estava num impasse entre lhe responder algo ou mandá-lo à merda ... respirei fundo, tentando manter a calma - Não estamos a namorar. Apenas saímos para jantar. – tentei manter a calma, embora a sua presença trouxesse à tona uma mistura de sentimentos confusos.

Ele deu uma risada cínica, mas os olhos intensos não mostravam sinal de humor.

- Não sou idiota, Anna. Vi o beijo. - a sua expressão era séria, como se lhe devesse algum tipo de satisfação.

- O Daniel é uma pessoa incrível ..., mas eu nem sei porque estou a dizer-te isto, tu não tens nada a ver com a minha vida. - argumentei, embora sentisse a necessidade de me justificar.

Ele deu mais uma passa no cigarro, olhando para o lado como se estivesse a considerar as minhas palavras.

- Ele é apenas mais um riquinho mimado. Não percebo o que vês nele. - a sua voz continha uma nota de desdém.

- Parece que acabaste de te definir. - respondi, sentindo a irritação a misturar-se com a confusão.

Ele soltou uma risada amarga, e a sua expressão transformou-se - Não sabes nada sobre mim, Anna. Absolutamente nada. - a sua voz soou cortante, como uma lâmina afiada - Achas que me conheces, mas não sabes de nada.

Fiquei surpreendida com a intensidade da sua reação, mas não recuei. Encarei-o nos olhos, determinada a não demonstrar fraqueza. Ele parecia genuinamente transtornado, como se algo muito mau se tivesse passado.

- Eu não sei o que se passa contigo, mas claramente não estás bem... - senti uma pontada de preocupação crescer dentro de mim – Eu sei que não temos intimidade, nem sequer nos conhecemos bem Leonardo, mas se precisares de ajuda...

Ele deu uma risada sarcástica interrompendo o meu discurso - Ajuda? Tu no entendes. Ninguém entende. E eu não preciso da tua ajuda.

- Então, o que queres? Ficar sozinho com os teus demónios? - a minha voz elevou-se ligeiramente, alimentada pela frustração.

- É preferível ficar sozinho, do que ter alguém que pensa que pode consertar tudo com um sorriso e palavras vazias. - ele cuspiu as palavras com amargura, virando-se para sair do quarto.

- Então, vai! - gritei, cheia de uma súbita raiva que começava a borbulhar em mim. - Vai, Leonardo! Fica no teu mundo obscuro

Ele saiu sem olhar para trás, e eu fiquei sem entender nada do que se tinha acabado de passar.

Sozinha no quarto, fechei a porta com força. Ainda ouvia as palavras de Leonardo, que me deixaram confusa. A raiva que sentia era acompanhada de preocupação. Senti-me perdida, dividida entre o desejo de o entender e a frustração de deixar que um idiota como ele entrasse na minha vida e a perturbasse. Uma parte de mim queria enfrentá-lo, exigir que justificasse cada palavra que me disse. Outra parte, porém, estava preocupada com o sofrimento que ele parecia carregar dentro dele.  

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