TROIS. microexpressões faciais

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Acordei vendo o Leozin deitado no chão ao meu lado, ele estava murmurando algumas coisas enquanto digitava no celular, eu abaixei minha mão e puxei seu boné.

— Bom dia – ele diz rindo e eu me sento no sofá, depois pego meu celular vendo várias mensagens da minha mãe, do meu pai, dos meus amigos e umas três do meu namorado, mas decidi ignorar todas. Eram duas da manhã.

— Preciso escovar os dentes – confessei e ele se levantou do chão.

— Eu também, por isso eu trouxe a minha escova – ele disse e puxou um estojinho de higiene bucal do Van Gogh.

Eu me levantei e fiz sinal para ele me seguir, entramos na bagunça que eu chamava de quarto e fomos até o meu banheiro, a minha pia era grande o suficiente para nós dois, eu notei que ele viu minha roupa suja, que ficava localizada em um cesto transparente e, como consequência, viu minhas lingeries. Senti vontade de me matar. Eu nem sabia ao certo porque eu comprei um conjunto bonito considerando que meu namorado apenas reclamou que não sabia abrir meu novo sutiã e nem elogiou ele. Eu acabei me resumindo a usar os conjuntos comprados no meu cotidiano e era isso.

Todavia, mesmo que ele tenha óbviamente visto, ele não demonstrou nenhum sinal de desconforto ou algo do tipo, apenas seguiu seu objetivo anterior, então nós dois começamos a escovar nossos dentes enquanto um olhava para o outro pelo espelho e segurava a risada.

— Você dormiu bem? – pergunta quando acabamos de escovar os dentes.

— Estranhamente bem.

— Você já foi num psiquiatra ver seu problema com sono?

— Eu sou meio despirocada, mas prefiro ser assim do que descobrir o que eu tenho e realmente ter que pensar sobre isso.

— Isso não é um flerte, ok? Mas uma mulher despirocada fica automaticamente cinco vezes mais gostosa que uma mentalmente estável. 

— Você é ridículo – murmurei entre risadas e saímos do nosso banheiro. Nosso não, meu banheiro. Não sei porque pensei  em falar que era nosso. Só pensei.

Uma vez, a minha tia, irmã mais nova do meu pai, me disse que pensamentos não são verdadeiramente controlados, o que de fato é o que queremos ou pensamos é a segunda voz que concorda ou interfere naquele pensamento que consideramos correto ou incoerente. Olhei para o menino ao meu lado que parecia cansado, mas também muito ativo e acordado. Voltamos ao estúdio e ele pegou o violão que eu tinha lá dentro, depois se sentou no chão e apoiou o violão na perna enquanto eu me sentei no sofá.

Ele começou a dedilhar uma música familiar, eu não conseguia decifrar de forma precisa qual era, mas a letra surgia na minha mente.

— Esqueça tudo e me beije, como não sei o que, não sei o que e o que mais, faça dessa noite um sonho – canto no ritmo que julgo ser o da música e ele ri.

— Eu preciso me manter acordado.

— Quer café? – ele negou com a cabeça.

— Não gosto.

— Paladar infantil?

— Talvez, lindinha.

— É estranho quando você me chama de lindinha.

— Por que, Lua? – sua voz era calma, mas seu rosto demonstrava confusão.

— De Lua também.

— Quer que eu pare? – neguei com a cabeça.

— Só, sei lá, ninguém me chama há muito tempo de nenhum dos dois, eu evito meus pais e meu namorado não é muito de elogiar.

— Como ele é?

— Carinhoso, muito carinhoso. Até demais. E ele gosta de pegar água, fazer as coisas que eu tenho preguiça de fazer, contanto que isso não signifique que ele precisa sair de carro, por exemplo. Enfim, não sei explicar.

— Vocês estão juntos há quanto tempo?

— Alguns bons anos, desde o ensino médio.

— Caralho.

— É.

— Vocês pensam em casar? – perguntou e eu confirmei com a cabeça.

— Meio que estamos noivos? Eu não sei explicar.

— Como assim?

— Ele me pediu em casamento, eu disse que aceitava, mas não vimos mais nada sobre isso e, bem, eu não quero casar agora.

— E por que você aceitou? – dei de ombros.

— Não sei.

Por que eu tava conversando sobre isso com um cara que eu acabei de conhecer? Ele parecia se interessar pelo que eu tinha a falar e, bem, eu estava gostando de receber aquela atenção, mas nossa relação era diferente da minha com o Dudu, eu e o Dudu éramos amigos além de ter nossa relação profissional, a minha com esse cara era completamente diferente, ele veio atrás dos meus serviços e eu quis prestá-los.

— Pressão? – perguntou me tirando da minha reflexão pessoal.

— Amor – menti, eu não responderia sim para pressão, eu seria uma filha da puta – se você diz não para um pedido desses, você pode perder alguém que realmente gostava de você.

— Mas, às vezes, isso significa que vocês estão em páginas distintas da vida. Amor não é o suficiente para manter um relacionamento;

— Você ainda tá com sono? – perguntei tentando fugir do assunto e ele concordou com a cabeça – talvez você devesse dormir um pouco enquanto eu faço mixagem da música.

— Isso não seria nada educado da minha parte – murmura com um tom irônico e eu dou um leve chute no seu braço.

— Para de ser idiota e dorme aí.

Eu me levantei e fui até a área que tinha a mesa de mixagem, iniciando a utilização do autotune na voz dele e juntando com alguns sons e outros backing vocals que ele gravou.

A música estava ficando interessante e, durante as edições e etcetera, eu gostava de ver se o Leo ainda estava dormindo no chão da sala, ele dormia bonitinho, ele tirou o boné e deixou seu cabelo cacheados em amostra, o que eu achei fofo, combina com ele, passa um ar de delicadeza e pureza, porém essa impressão sumia ao ouvir sua voz áspera e carregada, consideravelmente rouca e levemente grossa.

Eu não sabia ao certo porque eu estava pensando nele e sentindo vontade de ficar olhando para ele, mas eu decidi não me privar, sempre dizem que se você proíbe alguém de fazer algo, aí que ela quer fazer. Porém depois de notar que eu estava a mais de cinco minutos olhando fixamente para ele e tentando decifrar se ele estava tendo um sonho ou um pesadelo com suas microexpressões faciais, tal qual o Metaforando, decidi voltar a focar na música dele e na sua construção.

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