V - A Vida de Sua Alteza Imperial (parte 2)

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E com isso, às terças, quintas, sextas e sábados, tinha obrigações às escolas de ensinos militares. Lembro que estes não deveriam ser feitos antes das 2 horas da tarde, como assim ditava as regras. Por quê? Não sei. Tentei perguntar uma vez e eles apenas me responderam: "Porque é assim". Então, respondo-lhes: Porque é assim.

As escolas ficavam espalhadas por todas as partes do Império Russo, e como Inspetor Geral, tinha o dever de averiguar todas elas, fazendo com que eu viajasse muito. Conhecera cadetes de todas as idades, tipos e cores de cabelo, desde crianças pequenas até adultos já feitos. Tentava memorizar cada sobrenome (e até mesmo os apelidos) do maior número de soldados possíveis, ou pelo menos do rosto ou de algo em sua personalidade que deixara uma impressão forte, mas tinha uma memória boa, então no final eu sempre lembrava.

Bem, o trabalho de inspetor era cansativo, mas tentava não fazer mal feito. Conversava com professores e alunos, tendo um diálogo sincero, e muitas vezes engraçados e de brincadeiras, fazendo com que eu criasse um grande apreço por eles; e eles à mim. Sempre que eu andava na rua, sempre passava por dois ou três que me conheciam e me davam uma saudação. Mas também passei muitas tardes agradáveis com eles! Não lá de todo mal, como no diretório. Admito que algumas certas vezes, eu convidava um grupo pequeninho de 15 ou 20 deles para para comer lá no Mármore, mandando-lhes o meu automóvel e os preparando um banquete de bolos e doces! Falo-lhes: não existem pessoas com mais fome do que os cadetes da infantaria. É verdade! Meus anos de experiência me provaram isso. Todos sentavam-se, e quando via que já estavam quase acabando, eu lhes perguntava se queriam mais uma fatia e eles aceitavam mais e mais! Por Deus, nunca soube porque eles não eram gordos.

Contudo, voltando aos dias da Diretória Principal e relatórios, quando chegava a noite, Thomas já estava à espera de onde quer que eu estivesse, para me levar de volta ao Mármore.

Em um passado distante, o raiar do Sol fora meu horário favorito, mas com o passar dos anos, as primeiras horas da noite tomaram este lugar. Não tinha mais que ver todos aqueles papéis e documentos horríveis da escrivaninha e poderia voltar a ver meus pequenos. É certo que a companhia de crianças sempre foi mais agradável que a companhia de adultos, porque crianças não falam de política ou economia. Cheias de inocência e energia, o assunto do ursinho de pelúcia rasgado sempre soou muito mais interessante para mim.

Com o som do ruído das rodas sobre o cascalho da entrada, Morango e Sol, nossos dois border collie, latiam alto para avisar a todos que já havia chegado. E minha esposa, que sempre teve ouvidos de morcegos e podia ouvir o menor dos sons, era sempre a primeira a cumprimentar-me.

Com seus fios de cabelo despenteados e o seu xale xadrez ainda sob os ombros, ela vinha até mim, ajudava-me a tirar o casaco pesado e perguntava-me como havia sido o dia. Todas as noites ela fazia a mesma pergunta, e lhe dava a mesma resposta: "Muito bem, nada de especial". Mesmo se o presidente da França tivesse feito uma visita naquele ou se algo sério tivesse acontecido contra mim, sempre fiz-me um homem bem calado e retraído, falando a mesma frase para ela todos os dias, pois nunca tive o costume de falar meus acontecimentos ou preocupações, tornando aquele momento um dos poucos que conversávamos pelo menos o mínimo.

Era logo após o jantar que acompanhava as crianças até os seus quartos, para que eu as ajudasse a fazerem as tradicionais orações noturnas. Em algumas vezes, elas eram acompanhadas por Yelizaveta, ou até mesmo por Mitya. Ajoelhavam-se perante a imagem que ficava em seus quartos, e eu, dando-os o exemplo, ajoelhava-me também e, por costume, abria um dos olhos para verificar se os outros estavam fazendo direito.

Rezamos. Primeiro, era feito o agradecimento. Eu orava por todos aqueles que se encontravam sob o teto de Mármore, por mamãe, por meu irmão e minhas irmãs, e por todos aqueles que havia conhecido em vida e agora não estavam mais entre nós.

As Confissões de Konstantin KonstantinovichWhere stories live. Discover now