I- Sonhos de Inverno

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De certo, muito pensei de como começar este livro. Primeiro pensei em começar com algo poético e glamouroso, como as grandes obras fazem, mas receio que minha fonte poética tenha se esgotado para o início dessa humilde ideia que me fez pôr a caneta na mão para rabiscar este papel nunca tocado. Mas é certo que ela só esteja com vergonha de se mostrar, porém logo irá aparecer e expor todo o seu esplendor poético.

Em momentos de silêncio, onde minha mente virava o palácio das imaginações, já havia criado ideias para a existência desse livro. Agora, quando seu destino final já faz parte de seu conhecimento, torna-se uma obrigação realizar seus últimos desejos. Já estou convicto de que quando sair deste mundo e andar pelas altas gramas verdes dos Campos Celestiais, não ficarei completamente em paz se não falar. Minha alma anseia, necessita falar e gritar sobre o qual nunca tive coragem de nem imaginar em mencionar em toda minha vida.

Não sei se quando esta obra for publicada, ainda saberão meu nome. Creio que alguns sim, e muitos não. Porém, se vivesse na mesma época em que vivo, poderia simplesmente sair pelas ruas de São Petersburgo e perguntar a qualquer um sobre o sujeito que agora lhe escreve, tenho certeza que ele saberá quem fui.

Aos que me conhecem, asseguro-lhes que não me conhecem verdadeiramente. Seus conhecimentos possuem um limite, o qual se resume a uma pequena porcentagem da minha vida. E aos que não me conhecem, a de saberem quem eu fui, lendo.

Comecemos então com uma noite de inverno do final do ano da graça de 1903, mais precisamente, na noite de 25 de novembro de 1903.

Encontrava-se presente à grande mesa da sala de jantar do palácio do Príncipe Andrey Gorchakov com a companhia de um pequeno grupo da mais fina e seleta elite da Rússia Imperial.

O mundo do início do século XX não mudara muito do mundo do início do século XIX, tendo os mesmos costumes e normas na qual meu avô seguira em sua juventude. Invariavelmente, às oito horas da noite em ponto, a aristocracia russa já deveria estar completamente pronta com seus devidos trajes de noite: as senhoras com seus vestidos pomposos de manga curta, com seus decotes, bordados e enfeites, de uma cor clara e delicada; e os senhores com os tradicionais trajes pretos e brancos, que eram formados pelo casaco de cauda preta — assim como a calça. — e a imaculada camisa social branca de colarinho alado e gravata borboleta. Entretanto, aos homens do exército, o traje deveria ser o seleto uniforme que exprimia toda a sua carreira pelo número de medalhas nela colocado. Com todos sentados em seus lugares cuidadosamente demarcados à mesa, os lacaios de luvas brancas já poderiam colocar o prato fundo de porcelana, de rosas pintadas à mão, que continha uma clássica sopa clara e leve. O serviço era o mesmo predominante de todas as mesas da Europa, o estilo "à la Russe".

O fato era que a elite russa apreciava muito os jantares do Príncipe Gorchakov. A organização por parte dele era algo fundamental, e que todos admiravam e tentavam seguir. Seus jantares eram sempre compostos por seis pratos — exceto em ocasiões mais formais, que tinham o número duplicado. — e eram meticulosamente arrumados, com uma quantidade de comida certa em cada prato para que o jantar não durasse mais de uma hora. O príncipe era um homem severo, que sempre exigia a perfeição em tudo que fazia, e isso era demonstrado na arrumação dos lugares dos talheres de prata brilhantes, dos copos de cristais finos e dos pratos de porcelana. E em seus jantares, a apreciação de uma boa comida era confirmada: havia vegetais devidamente cozidos na "Entrée", um peixe quente que não tinha nenhuma espinha, um pato assado e o apreço de um bom vinho.

A comida saborosa não era o único ponto que a aristocracia russa venerava no Príncipe Gorchakov. A elegância sempre fora o princípio mais valorizado, e sua sala de jantar expressava isso.

A gigantesca pintura de moldura rica, dos tempos de Da Vinci e Botticelli, implementava o cenário da colossal sala de jantar do palácio que fora construído nos tempos Yekaterina II. Os detalhes implantados nas paredes, que iam até o teto que pendurava o lustre dourado com cristais, dava a sala rosa clara um tom mais sofisticado que inseria a nobreza da Família Gorchakov. E a grande mesa de carvalho escuro coberta pela toalha branca rendada ficava no centro da sala de jantar sobre o tapete persa vermelho, onde o conjunto de 20 cadeiras estofadas fazia companhia.

As Confissões de Konstantin KonstantinovichWhere stories live. Discover now