Capítulo 3 - Herdeira

11 6 0
                                    

Se até as estações mudam, qual a razão de permanecer igual?

Bella

Se eu estava arrependida ou não da decisão que tomei, ainda não sabia. Não tinha parado para refletir sobre o assunto. Decidi que iria investigar meu passado; foi por isso que aceitei a herança e vim conhecer a casa onde ele morava. Por que meu avô deixou que eu crescesse em um orfanato? O que tinha acontecido com meus pais? Milhares de perguntas, porém as respostas estavam longe de serem reveladas.
Minha amiga e eu pedimos férias da editora. Nossa chefe relutou no início; porém, assim que descobriu que eu herdei uma fortuna, acabou cedendo. Agora estávamos a caminho da propriedade que herdei. Vitor fez questão de nos levar pessoalmente.
Depois de longas horas dentro de um carro, avisto uma pequena cidade. Não era bem o que eu imaginava. Na verdade, não sei bem o que eu imaginava. Eu poderia descrevê-la como sendo uma cidadezinha muito agradável. O comércio era pequeno, com moradias simples, e os moradores pareciam pessoas muito simpáticas. O ar parecia mais fresco; não havia tantos carros nas ruas.
Quando entramos na cidade, senti um delicioso cheiro de rosas, e isso me fez lembrar do sonho estranho que tive outro dia, estranho, né? Minha vida de repente, de rotineira e normal, se tornou uma montanha-russa, que não sei onde será a próxima curva.

Passamos pela cidade e pegamos uma estrada de terra que nos levou a uma bela casa, ou melhor, uma mansão. A mesma mansão que tinha visto na foto que encontrei na internet. Ela era ainda mais fabulosa pessoalmente. Era muito parecida com as casas vistas em filmes de época, composta por dois andares, tinha uma escadaria e um lindo jardim na parte da frente. Pelo tamanho e número de janelas, deveria ter muitos quartos e cômodos.
Fiquei tão deslumbrada observando a casa que demorei um pouco até perceber que tinha uma fileira de pessoas nos aguardando em frente às escadas.
Descemos do carro e caminhamos até as pessoas paradas em frente à mansão. Minha gatinha, que estava em meu colo, não parava de se mexer.
Sou apresentada a cada uma: Maria, a cozinheira, uma senhora baixinha e rechonchuda de cabelos grisalhos e olhos castanhos; Julia, a ajudante da cozinheira, com cabelos cacheados na altura do ombro e magrinha; Ana, uma ruiva muito bonita; e Luiza, também ruiva, acho que são irmãs, eram empregadas; Luiz, um senhor bigodudo responsável pela parte administrativa da casa; e León, o motorista.
_É um prazer conhecer vocês. Digo, ainda me sentindo totalmente deslocada.
_O prazer é nosso, senhorita. Seja muito bem-vinda. Saúda Maria.
_ Obrigada, mas por favor, podem me chamar apenas de Bella, é como meus amigos me chamam, Essa é minha melhor amiga Katherine, mas todos a chamam de Kathy, ela veio comigo.
_ Seja bem-vinda, senhorita. Diz León, que recebe um olhar reprovador de Luiz.
_Obrigado. Agradece minha amiga mais vermelha que um tomate.
_ Eu já vou indo, tenho uma reunião muito importante daqui a algumas horas. Quando tiver um tempo, venho visitá-la, ainda quero discutir algumas coisas. Informa Vitor.
_ Cuidem bem delas.
_Com certeza cuidaremos, Dr. Vitor. Fala Luiz.
Entramos na casa, e me dou conta de que ela é ainda mais linda por dentro, com pinturas e móveis antigos. Meu quarto se parece mais com um quarto de princesa, e o da minha amiga não é muito diferente. Pelo jeito que ela sorri, suponho que está adorando a viagem.
_Espero que esteja tudo do seu agrado. Diz Maria.
_Está tudo ótimo, obrigado.
_Que bom que gostou, fico imensamente feliz em ouvir isso. Está com fome? O que quer que eu prepare no almoço?
_Não estou com fome, pode preparar o que quiser, eu como de tudo.
_Como quiser, senho... quer dizer, Bella.
Ela se corrige, eu sorrio, e ela acaba sorrindo de volta.
Maria sai e fecha a porta. Kathy conta até três, depois pula na cama.
_Que lugar maravilhoso, Bella, eu adorei. Revela minha amiga, ainda pulando na cama e rindo como uma criança.
_Que bom que gostou, é lindo mesmo. Acho que vou descansar um pouco antes do almoço.
_Também vou, estou exausta. Ela para de pular na cama e se senta.
_Te vejo no almoço? Questiono.
_Sim.
Deixo minha amiga no quarto dela e sigo até o meu, que fica ao lado. Entro e me jogo na cama. Ao sentir a maciez dos lençóis, tenho vontade de nunca mais sair dali. Com certeza, vou ter boas horas de sono. Estou tão cansada, desde que tudo isso aconteceu não estou dormindo bem à noite.
Nina se aconchega em meus braços, e eu fecho os olhos, não demoro a sentir um cheiro muito agradável de rosas.
Quando abro os olhos, não estou mais no quarto de princesa; estou em um campo coberto de rosas vermelhas, ouvindo o canto de pássaros.
Começo a procurar, olho para todos os lados e caminho pelo campo, mas não encontro ninguém. Me deito por entre as rosas e fico observando o céu azul. De repente, um homem aparece e fica me olhando; não consigo ver o rosto dele, pois a luz do sol não me permite. Antes que eu consiga me levantar e perguntar quem é ele, tudo se torna um borrão, e quando me dou conta, estou no meu quarto, deitada na cama de princesa.
Me levanto e corro para o quarto ao lado.
_ Kathy está acordada? Pergunto enquanto abro a porta.
_ Agora estou, pode entrar. Responde minha amiga com uma voz sonolenta.
Entro e fecho a porta, vou até a cama da minha amiga e me sento na beirada; Kathy ainda deitada só me observa.
_Você está bem? Indaga ela depois de um tempo.
_Eu tive aquele sonho de novo, um pouco diferente, mas ainda assim o mesmo sonho.
_ De que sonho você está falando?
_O sonho que tive a alguns dias atrás, com o campo coberto de rosas vermelhas, o homem misterioso…
_Interessante! E desta vez você conseguiu ver o rosto do cara?
_Não.
_Hum, ainda acho que você está precisando conhecer alguém especial, por isso tem esses sonhos.
_ Já te disse que não estou me sentindo sozinha.
_ Se você diz…
_Levanta da cama que está quase na hora do almoço. Mudo de assunto de propósito.
_Não fuja do assunto.
_Não estou fugindo.
Me levanto e saio do quarto antes que ela possa dizer mais alguma coisa; minha amiga insiste em dizer que eu preciso conhecer alguém, que preciso estar com alguém, mas estamos no século XXI; as mulheres não precisam mais de homens para sobreviver, somos independentes.
Desço as escadas em direção ao primeiro andar; foi difícil e me perdi inúmeras vezes naquele labirinto de cômodos, mas acabo encontrando a cozinha.
_Oi, Maria.
Comprimento a senhora de rosto gentil que estava mexendo uma panela, da qual exalava um cheiro delicioso.
_Senhorita, o almoço está quase pronto.
_Ok. Maria, Thomas morava nesta casa, né? Pergunto mesmo sabendo a resposta.
_Oh sim, morava. Ele era um homem difícil, porém uma boa pessoa.
_Ele não tinha esposa nem filhos?
_A esposa dele faleceu há muitos anos. Dizem que ele sofreu muito com a morte dela; se livrou de tudo que o lembrava ela, inclusive se afastou do único filho. Ele mandou todos os empregados dessa época embora e contratou novos; foi quando vim trabalhar aqui.
_É a quantos anos foi isso?
_ Que eu trabalho aqui, a uns 30 anos eu acho. Depois da morte do filho e a nora num acidente de carro, ele foi ficando cada vez pior de saúde ao longo dos anos, até que veio a falecer, infelizmente.
Diz a senhora com tristeza no olhar. Se sou neta de Thomas, então foram meus pais que morreram no acidente. Como nunca soube disso? Antes que pudesse fazer mais perguntas, sou interrompida pela cozinheira.
_O almoço já será servido, senhorita Bella. Ela diz, depois se vira pra garota ruiva que cortava alguns tomates e acrescenta.  _Ana, acompanhe a patroa até a sala de jantar.
É tão estranho ouvir alguém me chamando de patroa, senhorita, senhora; acho que não vou me acostumar com isso.
_Sim, Maria. Me acompanhe, senhorita.
A garota larga o que está fazendo e caminha pra fora da cozinha; eu a acompanho.
O almoço é composto por arroz, feijão, frango frito e salada; estava uma delícia, porém, a cada garfada, uma nova pergunta surgia. Quando terminamos de almoçar, León convidou Kathy para ir até a cidade, e ela aceitou toda sorridente. Como fiquei sozinha, peguei um dos livros que tinha levado e saí para caminhar; a propriedade era muito grande e bonita. Depois de andar por um tempo, acabei encontrando uma lagoa com uma linda cachoeira. Sentei-me embaixo de uma grande árvore e, ouvindo o som dos pássaros e da água caindo na lagoa, comecei a ler.
Amo literatura desde muito pequena; quando estou lendo, viajo para lugares diferentes e me torno pessoas diferentes. Nunca consegui entender as pessoas que dizem não gostar de ler.
Não sei quanto tempo fiquei ali, minutos, horas? Não tinha ideia. Porém, senti fome e decidi que era hora de voltar para casa.
No caminho de volta, avisto um homem, num lindo cavalo negro como a noite, vindo em minha direção.
_Uma moça linda como você não deveria ter tempo para livros.
Diz ele ao se aproximar, fitando o livro em minhas mãos.
Encaro o rapaz alto e bonito com irritação, sem acreditar na idiotice que ele acabou de dizer.
_ Eu gosto, e o que faço com meu tempo não é da sua conta. Digo irritada.
_ Perdão, não quis ofender.
Ele diz com um sorriso cínico, não me parecendo nem um pouco arrependido.
_ Eu me chamo Gustavo Melchior e você é…
Não respondo.
_Você é nova na cidade? Nunca a vi por aqui.
Puxa conversa.

_ Sim, herdei uma propriedade aqui perto, vim conhecê-la.
_ Você está falando da propriedade do falecido Thomas?
_Sim.
_Você é parente dele?
_Não é da sua conta.
Sinto raiva, pois nem eu sei ao certo a resposta para aquela pergunta.
_Desculpa esquentadinha, eu... eu sou seu vizinho; meu pai é dono da propriedade ao lado da sua.
_Humm.
Continuo a caminhar de volta pra casa.
_Espera, você nem me disse seu nome.
_ Isabella. Respondo por educação.
Foi um prazer conhecê-la, Isabella.
Ele grita sorrindo.
_Pena que não posso dizer o mesmo.
Penso alto e não olho para trás pra ver a reação dele; que cara idiota.
Chego em casa e avisto minha amiga sentada nas escadas parecendo pensativa.
_ Você está bem? Como foi o passeio?
Pergunto; ela me vê e sorri, mas um sorriso triste.
_ Estou bem. O passeio foi interessante; o León me levou pra conhecer a cidade, ele é muito legal.
_Então por que me parece que você está triste?
_ Eu... eu estou sentindo falta do Fábio.
_Amiga, não fica assim, ele não te merece.
_Eu sei! Mas não consigo evitar.
_Boa tarde, meninas. Diz Luiz aparecendo na porta da casa.
_ Vim avisar que hoje é o festival das flores; vai ter festa na cidade, vocês querem ir?
Olho pra minha amiga; talvez uma festa a distraia.
_Queremos! Obrigado, Luiz. Agradeço.
_ Vou falar para o meu filho preparar o carro pra levar vocês; o festival começa às sete.
_ Filho? León é seu filho? Questiono.
_ Sim, senhorita. Ele responde; fico calada, então ele desaparece porta adentro.
_ Uma festa? Sério? Minha amiga fala desanimada.
_ Sim, vai ser divertido.
_ Tudo bem, mas só se a gente puder encher a cara.
_ Combinado. Eu concordo e caímos na gargalhada.
Tomo um banho bem demorado; nunca tinha tomado banho de banheira antes, gostei bastante; é tão relaxante. Visto um vestido branco simples, tomara que caia, de renda que vai até os joelhos, calço uma sapatilha confortável e vou até o espelho; meus cabelos castanhos estão lisos com grandes cachos nas pontas. Passo uma maquiagem leve e, ao terminar, bato na porta do quarto da minha amiga.
_Pode entrar. A ouço dizer.
Entro e fecho a porta; Kathy está em frente ao espelho terminando de amarrar os cabelos.
_Você está linda! Elogio; ela estava vestindo um vestido verde muito bonito, e estava calçando um sapato de salto alto preto; ela prendeu o cabelo em um coque e colocou uma linda presilha.
Minha amiga se vira pra mim e me observa com um sorriso.
_ Você também está linda, porém está faltando alguma coisa... Ela vai até a cômoda e começa a vasculhar a gaveta.
_ O que está procurando? Questiono.
_ Isto. Responde erguendo uma coroa de flores.
_ É linda! Digo ao observar o que ela tem nas mãos.
_ Que bom que gostou, porque você vai usá-la. Ela vem até mim e me ajuda a colocar.
_ Tem certeza? Não vai ficar exagerado?
_ Tenho certeza, não vai ficar exagerado; estamos indo a um festival de flores.
_Se você diz.
Ela termina e me puxa até o espelho.
_ O que acha?
_ Eu adorei.
_ Ótimo, vamos?
_ Vamos.
Descemos as escadas em direção ao primeiro andar; León está nos esperando na sala, quando nos vê, ele caminha até nós.
_Olá, senhoritas, eu vou acompanhá-las até o festival. Diz sem tirar os olhos da minha amiga.
_ Me daria a honra? Ele pergunta ao oferecer o braço cheio de expectativa para minha amiga; ela sorri tímida e aceita o braço dele.

Atraídos pelo destino ( Degustação )Onde histórias criam vida. Descubra agora