001. Día de los Muertos

Start from the beginning
                                    

Pai e filho passaram pela praça, agora vazia, depois de meia noite e meia, haviam deixado o cemitério e estavam retornando para a casa, afinal, Martín já estava quase dormindo em pé. Juan segurava a mão do filho enquanto caminhavam, conversando a todo momento para tentar mantê-lo acordado.

— Filho. — apertou a mão do pequeno, que respondeu com um resmungando — Você vai querer continuar naquela mesma escola ou prefere que eu encontre outra ?

A criança deu de ombros.

— Eu ainda não fiz nada de "ruim" por lá. — bocejou — Não preciso mudar.

Juan concordou com a cabeça. Continuaram caminhando em direção à casa de sua mãe, havia planos de retornar para Nova York apenas no dia seguinte. Martín parou de uma vez, o que fez com que o homem parasse também, olhando para o filho com a confusão no rosto.

— O que aconteceu ? — perguntou, se aproximando dele.

Martín não respondeu, apenas indicou com a cabeça a figura de uma mulher misteriosa que estava parada na frente dos dois. A mulher tinha longos cabelos ruivos, uma pele clara e um sorriso gentil no rosto, mas ele não conseguia ver seus olhos de nenhuma forma, era como se não estivessem ali. Era como se ela não tivesse olhos.

— Martín González mora por aqui ? — sua voz era doce e calma, embriagante, mas era tão boa que parecia má.

— Não tem ninguém com esse nome, moça. — o menininho respondeu, tirando o pai do transe que ele havia entrado sem nem ao menos saber. O garoto tinha pouca idade, era verdade, mas havia sido ensinado pela avó que nunca deveria revelar seu nome para estranhos. E menos ainda quando um estranho já sabia seu nome.

— A senhora está perdida ? — Juan perguntou, tentando ver o rosto dela, mas sem se aproximar.

— Não, Juan. — sua voz saiu com sibilar de uma cobra — Eu estou aqui por seu filho.

Martín piscou os olhos com força, o sono esvaindo de seu corpo com velocidade. Ele deu uma boa olhada na mulher novamente. Seus cabelos ainda eram ruivos, mas estavam ralos — como se tivesse sofrido um corte químico, ele pontuou em sua mente —, sua pele havia ganhado uma aparência de escamas, ou algo do tipo. Ele continuou descendo os olhos e os arregalou quando, no lugar de suas pernas, havia algo que parecia uma cauda de serpente. Seus olhos, assustados, se ergueram para os dela, mas não havia nada ali além de dois buracos no lugar onde deveriam estar suas orbes oculares.

— Nem pensar, hija de puta. — Juan se colocou na frente do filho, o afastando para trás. Martín viu o pai tirar algo como uma lâmina dourada de sua cintura. Desde quando ele andava armado ? — Some daqui !

— Juan, por favor. — sua voz era chorosa, parecia desesperada — Eu perdi meus filhos...aquela mulher matou eles. — ela parecia querer forçar algumas lágrimas a caírem, mas era uma visão assustadora vindo de alguém que não se tinha olhos — Eu preciso do seu.

— Não é problema meu, dona. — ele segurou o cabo da lâmina com mais força, mantendo o garoto afastado o tempo todo — Ninguém toca no meu filho.

A mulher deslizou na direção do menino, mas parou no mesmo lugar quando Juan ergueu a — era o que parecia, para o menor — adaga na sua direção, a ponta dourada brilhando ameaçadoramente. Martín sentiu algo se contorcer dentro de si, deveria estar se misturando com o medo, mas ele sentia como se tivesse que falar. Algo tentava sair de sua garganta.

— A senhora deveria ir embora. — ele falou, atraindo a atenção da coisa, que apenas entortou a cabeça em sua direção — É sério, você tem que ir embora.

Por um segundo, ela vacilou e deslizou para trás, mas balançou a cabeça e tentou avançar novamente.

— Quero seu sangue, filhote de deus. — Juan cerrou os dentes quando ela falou aquilo. Queria pular em cima dela, mas também não sairia do lugar enquanto não soubesse que o filho estava bem.

Fale, uma voz soou em seu ouvido. Era doce e reconfortante, mas não doce como a da mulher que estava a poucos metros de distância.

Ela vai obedecer, a voz disse mais uma vez e completou: Faça ela obedecer.

— Então, a senhora deveria ficar parada. — a coisa parou, encarando o menino, o que lhe dava calafrios toda vez que encarava os dois buracos sem fundo que estavam no lugar dos olhos dela — Fique parada. — sua voz não vacilou, sentia que não podia vacilar.

Juan moveu um passo em direção a coisa, que prontamente virou o rosto para ele, mostrando as presas ameaçadoras de sua boca.

Olhe para mim! — Martín quase gritou, mas tomou de volta seu tom pacifico — Esqueça ele, olhe para mim. — e ela o obedeceu. Juan deu mais um passo e a coisa parecia ter esquecido totalmente de sua existência.

— Fale, prole dos deuses. — ela pediu — Quero ouvir sua voz.

Calada. — ele ordenou — Eu falo, se você ficar calada.

Ela apenas balançou a cabeça em concordância, era tudo que podia fazer. Martín engoliu o seco, suas mãos e pernas tremiam, mas não deixava aquilo afetar sua voz.

Você não está com sono ? — ele viu quando uma sobrancelha dela foi arqueada e fez uma careta quando o buraco em seu olho se ergueu também — Já é tarde. Você está com sono.

Juan se aproximou, perto o suficiente para escutar a respiração da coisa, que parecia estar calma, como se estivesse realmente dormindo. Ele ergueu a lâmina dourada e apunhalou as costas da mulher, que deu um grito agudo antes de virar um pó e desaparecer diante dos olhos dos dois.

Martín caiu de joelhos, a respiração ofegante, o medo que antes estava aprisionado por ele mesmo se revelando. O pai correu até ele, abraçando-o e beijando sua cabeça enquanto dizia que estava tudo bem, que o perigo já havia passado.

Mentiroso, Juan admitia para si mesmo, era um mentiroso porque, agora que o primeiro havia aparecido, mais e mais iriam atrás dele. Ele fechou os olhos com força, sentindo seu filho tremer de medo.

— Juan ? — seu irmão mais velho, Javier, saiu de dentro de sua casa — Os meninos ouviram vozes, o que aconteceu ? — Javier se aproximou dos dois, notando o estado do sobrinho e a lâmina, ainda nas mãos de seu irmão — Aconteceu ? — ele viu o outro concordar com a cabeça, o que o fez xingar baixinho.

— Precisamos ir. — avisou, enquanto ajudava o filho a se levantar — Uma lâmia veio atrás dele, é questão de tempo para algo pior aparecer.

— Eu aviso para a mamãe. — afirmou, balançando a cabeça — E você — agarrou o braço do irmão, tentando parecer sério, mas a preocupação era maior — avise quando vocês dois estiverem seguros.

Não havia tempos para despedidas, afinal, não era uma. Era apenas um distanciamento relativo, era para a proteção de seu filho e família. Juan carregou o filho até o carro, colocando-o no banco do passageiro e passando o cinto. Ele olhou para o menino, que ainda tentava digerir tudo o que aconteceu. O homem fechou a porta e olhou para o céu, em busca de algum sinal dela.

— Não sei se foi você. — ele falou, baixo — Mas se foi, obrigado.

Não obteve resposta, então nada havia mudado.

Ele suspirou, entrando no carro, pedindo para todas as entidades que existiam que a viagem até Long Island fosse tranquila e sem nenhuma daquelas coisas horríveis para atrapalhar.

PEARLS AND SHELLS, luke castellanWhere stories live. Discover now