Capítulo 11

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Pov. Ingrid

Meu corpo inteiro dói, até minhas pálpebras doem e tremem sem parar pedindo por uma noite de sono, assim que encerro meu turno o sol já começa a nascer no horizonte, e preciso de alguns segundos para me acostumar com a claridade repentina.

Depois que Ethan sumiu eu voltei ao trabalho como se nada tivesse acontecido, mesmo que minha cabeça tivesse cheia de coisas para pensar, precisava ser profissional só assim conseguiria manter minha boa reputação e Amanda parece ter ficado feliz já que me falou de uma festa de médicos ricaços no meio da semana, ou seja, apenas algumas horas de pé servindo comida chique e já teria dinheiro suficiente para comprar uma nova remessa de remédios para minha mãe, e mesmo batendo com a minha única noite de folga do mês, aceitei na hora.

Aceno um tchau para Amanda e para Rafael que também já está trocado e pronto para ir embora e me encaminho até o ponto de ônibus que fica apenas uma quadra depois da boate, Lucas infelizmente já havia ido embora há algumas horas, ele até quis ficar para me dar uma carona na volta, mas diferente de mim ele trabalharia no hotel logo cedo e não podia fazer ele ir totalmente virado sem pelo menos algumas horas de sono.

Os carros já começavam o seu ritmo frenético nas ruas e confirmando o horário em meu celular eu vejo que não são nem seis horas da manhã ainda, pegaria o primeiro ônibus do dia e como o bairro era mais chique as chances de ele estar lotado a essa hora eram mínimas, meus pés agradeciam já que fiquei de salto alto a noite inteira.

Assim que viro a última esquina vejo que o ônibus parado no ponto acabou de ligar o motor e para colocar mais um item na minha lista de vergonha alheia sou obrigada a correr os últimos metros para chegar até ele antes que saia e tenha que esperar mais uma hora em pé pelo próximo, meus pulmões doem com o esforço repentino e faço um esforço em dobro para conseguir respirar normalmente.

Assim que consigo meu objetivo paro na frente da porta aberta do ônibus e me apoio nela com a respiração descompassada, faço um sinal de espera para o motorista sentindo cada vez mais falta de ar, meu peito dói e meus pulmões queimam a cada tentativa de respiração, antes que a tosse incontrolável comece vasculho minha bolsa e pego a bombinha, agito ela um pouco, solto todo o ar dos meus pulmões, a coloco na boca e pressiono sentindo o remédio descer por minha garganta, respiro fundo pela boca sentindo meus pulmões se enchendo de ar e espero os dez segundos indicados enquanto seguro a respiração.

É incrível o quanto já consigo respirar melhor, pego minha garrafinha d'água presa do lado de fora da bolsa faço um gargarejo rápido e cuspo antes de entrar de vez no ônibus, por sorte ele estava mesmo vazio e o motorista não parecia irritado com toda a minha demora, parecia estar com pena, não era bem o sentimento que gostaria que as pessoas tivessem ao me verem nessa situação, mas é melhor do que ser xingada e deixada para trás para esperar pelo próximo ônibus.

- Me desculpe por isso... - peço em voz baixa, realmente envergonhada por ter uma crise de asma na porta do seu ônibus e tê-lo atrasado de alguma forma.

- Não se preocupe menina, tenho uma filha que sofre com essas crises também, está tudo bem. - ele parecia estar na casa dos cinquenta anos e seu rosto rechonchudo estava sorrindo em minha direção, por que todos os motoristas de São Paulo não poderiam ser assim?

Dou um sorriso de lado sem saber o que falar e tiro o meu cartão de transporte do bolso de trás da calça que estou usando agora e o aproximo da catraca, meu outro atestado de pobreza é ver que o saldo já está quase no fim e preciso recarregá-lo, do contrário não conseguirei voltar para casa quando sair da boate mais tarde.

Aproveito que o ônibus está vazio e escolho o melhor lugar de todos para sentar, no meio com os assentos mais altos, uma das alegrias de ser pobre, assim que me encosto no assento nada confortável o ônibus dá partida novamente e começa o trajeto pelas ruas de São Paulo, minhas pernas reclamam tanto de dor que nem sei como vou sair daqui quando chegar no meu ponto.

Puxo minha bolsa que estava aos meus pés e começo a revirá-la inteira a procura de algum remédio para a dor, e o que mais encontro é muito papel de bala e panfletos, já que não consigo negar nenhum desde que trabalhei algumas vezes como panfleteira e vi como eles sofrem e são esnobados. Já estava desistindo da minha busca quando encontro meio enrolado em alguns papéis o misericordioso dorflex, e como uma benção dupla também acho o fone de ouvidos da minha mãe perdido no fundo da minha bolsa.

Tomo o remédio com alguns goles de água e pesco o celular que já tinha dado como causa perdida do bolso, conecto os fones torcendo para que funcionem os dois lados, abro a minha playlist e a voz de Avril Lavigne e Chad Kroeger enchem meus ouvidos com a música Let me go, porra viu, nem escutar uma música sem pensar em Ethan eu conseguia mais?!

Não que eu entendesse tudo que eles estavam falando, mas mesmo com o meu inglês de centavos eu sabia que a música se tratava de um amor interrompido, que acabou de uma forma errada, e mesmo que Ethan não me amasse da mesma forma que eu o amava sinto que essa música se encaixa perfeitamente em nossa situação.

You came back to find I was gone

(Você voltou para descobrir que eu tinha ido embora)

And that place is empty

(E aquele lugar está vazio)

Like the hole that was left in me

(Como o buraco que foi deixado em mim)

Like we were nothing at all

(Como se fossemos absolutamente nada)

It's not what you meant to me

(Não é o que você significava para mim)

I thought we were meant to be

(Pensei que fossemos destinados um para o outro)

O refrão chega e parece martelar bem fundo em minha cabeça, nem a música que antes era o meu refúgio parecia um lugar seguro para se estar agora, encosto a cabeça no vidro da janela e quando uma lágrima desce pela minha bochecha sei que já estou me martirizando demais, mesmo amando a música troco por uma mais agitada e sem tanto apelo ao meu coração, Numb de Link Park começa testando a qualidade do fone frágil e agradeço por isso, assim consigo me desligar um pouco e tirar um cochilo até chegar em casa.



Oie Pessoinhas

Quem mais se identifica com a Ingrid também?

Duas Vezes AmorOnde histórias criam vida. Descubra agora