Capítulo 3

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°°° Preston °°°

Ao longe registro meu celular tocando. Olho a tela: quinze pras 6:00, hora de levantar pra correr. Sento na cama e alongo a coluna, nossa... Acho que faz anos que não acordo tão relaxado assim. O pensamento nem finaliza na minha cabeça quando a noite de ontem me atinge como um raio. As lembranças da cena na cozinha, tudo que Avle falou, ele no sofá me segurando e mexendo no meu cabelo. Algo sussurrado no meu ouvido. Ele me carregou até o quarto e me colocou na cama? Não acredito que não senti isso. Seguro meu rosto entre as mãos, aperto meus olhos com tanta força que vejo pontos brancos. Como vou encarar ele agora? Começo a repetir na minha cabeça: "Você está bem, perfeitamente bem, você está bem, nada mudou, sua vida é perfeita, você está bem..."
Me levanto de um pulo, já perdi tempo demais enrolando, coloco minha roupa, lavo meu rosto sem olhar no espelho, visto meus tênis e saio pela porta.
O ar da manhã enche meus pulmões trazendo a sensação conhecida de mais um dia. Termino minha corrida, volto pro dormitório, tomo meu banho, engulo meu shake e saio pela porta. Na verdade quase saio pela porta.
"Achei que não tinha aulas hoje..." - escuto uma voz rouca de sono atrás de mim. Viro lentamente, sorriso já pronto, voz calma. Avle está encostado em pé no batente da porta da cozinha, pernas cruzadas uma na frente da outra, bebericando um café. Ele me olha intensamente sobre a xícara. Ombro no batente, um braço está apoiado abaixo do outro cotovelo, do que segura a xícara, fazendo o músculo do bíceps saltar. O que ele perguntou mesmo?
" Não tenho, vou aproveitar pra estudar na biblioteca."
Ele abre um sorriso, daqueles perfeitos, só dentes e covinhas, olhos brilhantes. "Por que não estudamos juntos ali na sala? Certeza que eu poderia usar uma ajuda desse seu cérebro nota 10."
Droga! Droga... Como saio dessa? Pelo visto não saio, pois ele nem me deu tempo de responder, colocou a xícara na lava-louças e virou falando animado: "Um segundo, vou pegar meus livros!"
Entro no quarto correndo, meus nervos inexistentes, minha cabeça rodando, minhas pernas bambas. Um ataque de pânico está vindo. Aperto com toda força o relógio mas a dor não é suficiente, pois o corte já está praticamente cicatrizado. Pego meu canivete, tiro meu relógio apressado, arranco o esparadrapo e na hora que a faca encosta na minha pele meu movimento congela. A voz de Avle ressoa na minha cabeça: "Vou checar todo dia, não vou assistir você se machucar, vou checar todo dia!!"
Agarro o travesseiro e mordo com toda força, minha mandíbula dói. Não tenho tempo de cortar a coxa, até tirar a roupa, fazer curativo, colocar a roupa. Ele acha que só vim buscar alguns livros. Sinto raiva, quem ele pensa que é pra me fazer sentir assim?? É o meu corpo, eu corto onde e quando quiser, minha vida, meu pulso... De novo a voz dele ecoa na minha cabeça, um sussurro carinhoso
" Meu..." O canivete cai da minha mão, largo o travesseiro e sento no chão com as costas contra a cama. Demoro alguns minutos pra me recompor, guardo a faca. Coloco um esparadrapo, o relógio e levanto. Pego alguns livros aleatórios e saio do quarto.
Avle está sentado no chão da sala, costas contra o sofá, em frente a mesinha de centro. Alguns livros na mesa à frente dele e um estojo. Droga não peguei meu estojo. Ele levanta a cabeça quando registra que entrei na sala. Sorrindo como um menino feliz, ele bate no chão ao lado dele. Com toda calma do mundo, finjo que não vi e sento no lado oposto da mesinha. Colocando os livros sobre ela. Sinto orgulho de como minha voz soa calma: "Sobre o que quer estudar, Avle?"

°°° Avle °°°

Preston está sentado de frente pra mim, olhando atentamente o livro apoiado na mesa. Se alguém reparar a cena vai se admirar com a concentração com que ele estuda. Mas os olhos estão vazios, imóveis. Olhando através do papel. Uma das mãos está apoiada em cima do livro e a outra embaixo da mesa, fora do meu campo de visão. Ele dá um sobressalto quando falo num tom de voz calmo, mas firme: "Mãos onde eu possa ver, Pet."
Vejo um lampejo de raiva nos olhos dele, então lá vem o sorriso padrão: "Avle, não gosto de apelidos. Alguma dúvida nas questões até agora?"
A voz dele é tão calma, mais uma vez algo em mim estala.
Minha voz é suave, mas o tom de comando, não deixando espaço pra ele refutar: "Levanta daí e senta no sofá, Preston."
Ele arregala os olhos um pouco e dá um sorriso como quem achou engraçado o que disse, acho que o sorriso mais falso que já vi ele usar até agora: "Avle, se não precisa da minha ajuda eu ~"
"No sofá, agora... Pet."
Ele levanta e senta no sofá calmamente, como se a ideia tivesse sido dele. Eu levanto e em seguida sento na almofada ao lado dele e falo no mesmo tom baixo e de comando: "Pés em cima do sofá."
Ele pisca algumas vezes e coloca ambos os pés, juntos no sofá, corpo de frente pra mim. Ele segura os joelhos com os braços.
"Não, corpo encostado no braço do sofá."
Ele me olha com um brilho de quem vai me desfiar nos olhos, por um segundo ele fica imóvel. Então ele recosta no sofá, com um sorriso falso como se achasse divertida a situação. Finalmente alguma reação, os olhos dele não estão achando nada divertido. Tenho que dizer que o autocontrole dele é invejável. Enquanto os olhos parecem que vão arrancar minha cabeça do pescoço, a linguagem corporal é calma e impecável.
Olhando nos olhos dele, seguro a perna direita dele e trago pro meu colo, o corpo dele fica tenso na hora e o rosto demonstra alarme. Ainda olhando nos olhos dele, começo a levantar o elástico da barra da perna do moletom dele, acima do tornozelo. Ele surta na mesma hora, puxando o pé com força e tentando se soltar. Mantenho o pé firme no meu colo, sem parar de levantar a calça devagar. Ele começa a hiperventilar, implorar e tenta me morder. Num movimento rápido, giro o corpo dele enquanto o puxo pra perto. Ele termina sentado entre as minhas pernas. Costas coladas no meu peito, preso entre meu braços. Ele fala baixinho, entre soluços: "Avle... Avle, me solta? Por favor... Avle?"
Ainda abraçando ele com um dos braços, volto à mexer na barra da calça dele, expondo a pele até a panturrilha.
Logo acima do osso do tornozelo, na lateral interna da perna, a pele está toda arranhada, as marcas das unhas com sangue e roxas.
Nesse momento ele parou de lutar, o corpo dele afundando no sofá, soltando o peso contra meu corpo, como se tivesse desistido. Um soluço sacode o corpo dele. Ele fala numa voz sem tom, como um mantra: "Você não tem direto, você não pode... O corpo é meu, você não tem direto... nenhum... Não tem..."
Eu pego ele no colo com todo cuidado, ele não oferece resistência alguma. Caminho com ele nos braços até meu quarto, deposito ele na cama e pego uma enorme caixa de primeiros socorros, que comprei e enchi com todo suprimento que consegui imaginar. Volto a sentar na mesma posição do sofá, encostando as costas na cabeceira da cama e trazendo ele comigo. E uma posição estranha pra tratar os ferimentos na perna dele, mas quero que ele sinta meu corpo contra o dele o máximo possível. Ele parou de chorar desde que peguei ele no colo pra trazer pra cá, ainda está maleável e sem oferecer nenhuma oposição.
Falando num tom de voz calmo e baixo, um pouco mais que um sussurro no ouvido dele, eu começo limpando os machucados.
" Pres, o que eu falei ontem sobre você se ferir?"
Quase não escuto de tão baixinho que ele responde: "Punir..."
"Hum, Bom menino... - Elogio e continuo:
"Punição não quer dizer dor, Pet. Se você fizer algo que não deve, vai ter consequências."
Falo enquanto termino de limpar com todo cuidado os ferimentos e coloco uma atadura. Abaixo a barra da calça dele e volto a abraçá-lo com os dois braços empurrando com a perna a maleta de primeiros socorros pra longe.

Avle x Preston Where stories live. Discover now